Maíra Valério lança “Amarga”, livro de poesia sobre solidão, exaustão e a fúria cotidiana
A escritora e jornalista Maíra Valério lança “Amarga”, seu novo livro de poesia, vencedor do Prêmio Tato Literário 2025 na categoria poesia. A obra, publicada pela Editora orlando, traz uma imersão nas tensões da vida contemporânea entre solidão, trabalho, amor, trauma e a pressão por felicidade nas redes sociais.
Com versos diretos e um humor ácido, Maíra constrói um retrato da existência em tempos digitais. “É um soco nas facetas dentárias de resina que sorriem forçadamente pelas redes sociais, em meio ao caos e às tragédias”, define a autora. A epígrafe escolhida, um verso de Hilda Hilst — “Só não existe amargura onde não existe o ser” — anuncia o tom do livro: entre o sarcasmo e a dor, a poeta cria um espaço de resistência emocional. Dividido em cinco seções (“remela”, “vazio em full HD”, “mordendo a cutícula”, “indigestão” e “trabalhar pra morrer”), o livro explora as pequenas violências e exaustões do cotidiano urbano e digital. Mãos, olhos, corações e comida aparecem como símbolos recorrentes de desgaste e humanidade. “Quis trabalhar com um eu lírico amargo, exagerado e cansado — explorar o que não é de ‘bom tom’ em uma sociedade de aparências”, explica Maíra.
Brasiliense, a autora reconhece que o espaço geográfico de sua infância atravessa sua escrita. “Brasília é um paraíso artificial que, ao mesmo tempo, esmaga as pessoas com toques de recolher e distâncias calculadas. Nascer e crescer aqui é uma experiência impressa na minha subjetividade”, afirmou em entrevista ao Jornal de Brasília. Essa ambivalência entre ordem e sufoco perpassa os poemas, que misturam crítica social e confissão íntima.
Escrito em momentos dispersos“nos intervalos de trabalho, de madrugada, dentro de ônibus e ubers”, “Amarga” surgiu como uma resposta pessoal ao cansaço contemporâneo. “Foi um livro que me diverti escrevendo. Embora eu nem sempre goste de ver a arte como algo terapêutico, não posso negar que ele foi uma bóia de salvação enquanto eu me afogava em momentos difíceis”, confessa a autora.
As influências de Maíra transitam entre a literatura e outras linguagens. De Hilda Hilst, Cecilia Pavón e Adélia Prado, herdou a liberdade formal e o olhar para o cotidiano. Da música e da cultura punk feminista, especialmente Courtney Barnett e o universo DIY, absorveu o ritmo e a ironia. O resultado é uma poesia que a própria autora define como “cartunesca”, em que o humor e o desespero dividem o mesmo quadro.
A capa é assinada pelo quadrinista Caio Gomez, parceiro de Maíra em outros projetos, como o zine “Faz sol e chuva em Brasília”.Quem participar da pré-venda receberá 10% de desconto, um marca-páginas, um botton personalizado e uma vaga na oficina “Escreva sua raiva: um mergulho pelas águas da fúria feminina”, ministrada pela autora.
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POEMAS DO LIVRO
FLÂNEUR COM TAG
(ou panic attacks are my cardio)
caminho com pressa
namoro vitrines
anseio por um amanhã
que chegue logo
descortinando um acontecimento
estrondoso
desses que mudam tudo
até o que nem sei
que precisa ser mudado
enquanto deixo roupas esquecidas
na máquina de lavar antiga
e a vida, lesmamente, segue
encharcada de tanto mistério
no tempo que tem que seguir
FOREVER ONLINE
para amanda e depois de h. h.
— para onde vão tantos
nudes, gatos
de peruca,
transbordantes pelas redes
sociais,
meu pai?
a cara azul e iluminada
bebe a tela, feito
égua n’água
lambendo a lua,
no mesmo instante
em que dedos fracos,
bem tremulantes,
nervosamente
sedentos, scrollam
o empilhamento estrepitante
da existência
com pac ta da
flutuando
no mar digital
glub!
— ainda que se mova a
barra de rolagem,
tu não te moves de ti,
filho
![]() |
| Foto: Thaís Mallon |
Nascida na capital do Brasil, Maíra Valério é escritora e jornalista, com especialização e mestrado na área de gênero, comunicação e saúde. Entusiasta da cultura do-it-yourself, teve o próprio caráter moldado por livrarias, shows punks e festas gays. É ansiosa, extrovertímida, hipocondríaca e escreve em zines, blogs, revistas, jornais, sites, coletâneas literárias e onde mais der. Como jornalista, já colaborou com veículos como Vice Brasil, Correio Braziliense, Tab Uol, Jornal de Brasília, Delirium Nerd, Revista Seca, Radis, e outros, além de ter sido editora-chefe da Revista Traços. Já o seu trabalho autoral e literário envolve os livros “Homens que nunca conheci” (Patuá, 2020), “Vulva revolução” (negalilu, 2024) e, agora, “Amarga”.



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