Poemas da plaquete Um sonho lúcido, de Laura Redfern Navarro

 por Laura Redfern Navarro |


POEMAS


Um sonho lúcido


I

sempre que você sonhar com o Campo


saiba;

este é um grito de Liberdade


II

dissociação: ruptura, desconexão, descontinuação do self,

se o [mundo] não parece tangível

daqui enxergo teus pés do tamanho que

//realmente// são

e esta é a estranha única possibilidade

de alguma Lucidez

dos últimos dias


III

verde verde esse gramado p e g a j o s o que não adianta →

seguir → você acaba sempre andando em círculos em

círculos / é possível

sair? //

*olhe em volta da grama e da terra:

apenas [cercos]

[cercos]

[cercos]


IV

estamos presos? sim_

estamos:

UM SONHO LÚCIDO


[ ]

//e como faremos pra sair daqui meu deus//

V

“this is not real

it's just a dream”


não existe realidade maior do que a do sonho,

- eu não quero sair Daqui...,


“p_l_e_a_s_e_

_p_l_e_a_s_e”

digo, do Campo... eu quero

“w a k e u p!”

mas...: você entende, né?

“w a k e u p!”

eu não vou eu não quero

VI

o enigma-chave da Prisão-Campo-Sonho:


~ o Idioma ~


(todos os homens que trabalham aqui têm o mesmo rosto

falam em francês que não sabem

a [nossa língua] me parece que o que eles não sabem

é c o m u n i c a r:

afinal,

como dar caminhos →

dentro de um círculo? *


~ a Disposição das coisas ~

em meio à Lucidez há sempre Estranheza:

o cenário --> o Campo

você está no Campo [será um encontro?]

o Campo é propriedade da Mãe

que observa das Nuvens o

que acontece por aqui


e as Saídas foram todas e n c r i p t a d a s)


VII

e a gente precisa sair (?) daqui

mas também precisa sonhar até descobrir

qual é a Saída certa

e quando surgirá o Desejo de sair


experimentar o olhar aguçado que temos

por um único momento


saber que há um


/prazo de expiração/



Acordei em um lindo lugar


I

acordei em um lindo lugar;


disse ao meu pai após um longo período em coma


lembro-me perfeitamente de onde estive, porém

sem consciência alguma de que estive lá

II

aquele lugar era um cubículo no meio do Oceano Pacífico

o que parece inacreditável

mas realmente era:

um cubículo em [algum lugar] no meio do Oceano Pacífico:

e a água cintilava

intercalando azul verde e violeta;;

III

acordei em um lugar tão lindo e sei que jamais voltarei ao

lugar,

já que, para chegar nele, preciso passar pelo Labirinto das

Memórias Ocultas da Infância

feitas de hexágonos de EVA e de roupas que pinicam o

corpo todo

um sonho com cheiro azedo;

uma fase chata do videogame;;

ACORDEI EM UM LINDO LUGAR


é necessário escapar do Labirinto das Memórias Ocultas da

Infância

para chegar ao Lindo Lugar:

é [incômodo]:

como ver uma gota de água e saber

que em questão de segundos

ela irá sumir

para sempre


IV

não me recordo de ter te visto lá

porque eu me lembraria, mesmo se estivesse usando

óculos escuros

o Lindo Lugar exige todos os cinco sentidos em peso;

então o esquecimento seria tecnicamente impossível

no Labirinto, porém, vi você fumando

em cima de uma pilha de EVA:

você estava tentando esconder a sua tristeza

aquela que sempre existiu/só nunca foi nomeada

diferente, por exemplo, do Mundo Lá Fora

sem nome algum

ou do Lugar Lindo,

que sequer possui coordenadas

apenas cores.


V

ao despertar, penso que preciso te contar urgentemente

sobre o Lindo Lugar em que acordei durante o coma.




Laura Redfern Navarro
(2000) é uma poeta, jornalista de formação, pesquisadora e fotógrafa experimental nascida em São Paulo. Graduada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, é mestranda em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, onde estuda as intersecções entre a linguagem poética e o fenômeno dos espaços liminares. Vencedora do ProAC/2022 na categoria poesia com o livro “O Corpo de Laura”, publicado pela Mocho Edições, possui seis livros publicados. Criadora da página @matryoshkabooks, dedicada à divulgação da poesia contemporânea, também mantém a newsletter Matryoshkaletter no Substack. A plaquete “um sonho lúcido”, da editora orlando, é sua mais nova obra lançada.