O cenário urbano como o protagonista — resenha do livro Cidadão, de Ricardo Pecego

 por Laura Redfern Navarro |


O cenário urbano como o protagonista — resenha do livro Cidadão, de Ricardo Pecego


Com publicação pela editora Cachalote, Cidadão é o segundo livro do escritor, publicitário e produtor cultural Ricardo Pecego, que também é autor do romance Caparaó (Giostri Editora, 2020). Ambas as obras se destacam por tratar de temáticas sociais, como a desigualdade econômica, as diferenças entre o mundo urbano e o rural e a limitação de oportunidades dentro do capitalismo. 

Os doze contos que compõem o livro Cidadão seguem por este eixo temático, trabalhando-o principalmente pelo espaço. Lugares como Alameda Cleveland (mais conhecida como a “Cracolândia Paulistana”), Vila Prudente e Vila Mariana são frequentemente mencionados e utilizados como o cenário por onde se desenrola a vida dos personagens, que vão de faxineiros frustrados a jovens desesperados que topam qualquer trabalho para não passar fome. 

Demarcar o lugar, neste sentido, revela como a narrativa vai se desenrolar. No caso da Alameda Cleveland, que aparece em contos como “Faxina” (p. 9) e “Pulso” (p. 19), a descrição é sempre a de um canto sujo e negligenciado da cidade, onde vivem indivíduos doentes e invisíveis. 

Os protagonistas dessas histórias são trabalhadores que atuam direta ou indiretamente na região, e toda a sua construção subjetiva parece estar diretamente ligada à falta de condições e de cuidado do Estado com o ambiente, levando às atmosferas diversas e complexas, mas que sempre mesclam nojo, culpa e luto.

Outros contos, como “Revide” (p. 47), não são tão explícitos em sua geografia, embora mencionem o espaço. Aqui, o que fica demarcado de fato é a escola particular e uma aluna bolsista em processo de transição. Fica subentendido que o conto se localiza em uma região mais elitizada, visto que a personagem pode vir a perder seu desconto caso não se mantenha neutra em termos de aparência e trejeitos — o que representa o imaginário de “polidez” e “uniformização” das classes mais altas.

A partir daí, podemos dizer que o trabalho com o cenário em Cidadão não ocorre por acaso; na realidade, ele atua como o protagonista. Deste modo, Pecego tece, em diferentes histórias, um universo em comum, por onde corre a crítica social de seus contos: afinal, o cidadão só existe porque antes veio a cidade.


*Laura Redfern Navarro (2000) é poeta, jornalista e pesquisadora. 



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Ricardo Pecego é produtor cultural há mais de 17 anos e iniciou suas aventuras na escrita em 2005. Seus textos, porém, só ganharam asas a partir de 2015 em sua coluna no jornal Megaphone Cultural. Desde novembro de 2019 se dedica na divulgação de seus textos e à carreira de escritor.