por Taciana Oliveira
A primeira vez que ouvi falar de Lô Borges foi na casa de uma amiga que morava em Campo Grande, bairro da zona norte do Recife. Ali, com alguns amigos da UFPE, experimentei uma certa cumplicidade emocional que até então nunca havia vivenciado. Para quem foi criada em um lar tão repressivo, qualquer gesto de afeto era um ato de salvação.
Foi naquele apartamento, entre a fumaça dos cigarros e os copos de cerveja, que escutei pela primeira vez Clube da Esquina nº 2, quarta faixa do álbum A Via-Láctea, lançado em 1979. De imediato, senti uma conexão, um apego afetivo difícil de explicar. Nos anos seguintes, Lô me acompanhou em muitas travessias. Perdi a conta de quantas vezes a agulha deslizou no famoso vinil do Tênis e de outras tantas em que sua voz me tirou do vazio existencial tão recorrente da minha geração.
Nascido em Belo Horizonte, Lô aos 18 anos, já estava inscrito na história da MPB ao lado de Milton Nascimento, com quem dividiu a autoria de um dos discos mais emblemáticos da música brasileira: o “Clube da Esquina” (1972). O álbum, um recorte de influências que vão do rock progressivo ao jazz, do barroco mineiro aos Beatles, apresentou ao país uma geração de músicos que transformaria a sonoridade nacional. Canções como Clube da Esquina nº 2, Trem Azul e Nada Será Como Antes tornaram-se símbolos de uma juventude que buscava transcendência em meio às sombras da ditadura militar. Em 1972, ele lançaria também seu primeiro álbum solo, o mítico “Lô Borges”, conhecido como O Disco do Tênis (apelido inspirado na capa icônica com o par de tênis surrado). Mistura de pop, psicodelia e poesia mineira, o LP foi inicialmente um fracasso comercial, mas com o tempo se transformou em obra cultuada. Nos anos seguintes, Lô manteve uma trajetória discreta e coerente, fiel à própria bagagem musical. Em parcerias com Ronaldo Bastos, Tavinho Moura, Milton Nascimento e Beto Guedes, continuou criando melodias luminosas. Álbuns como A Via-Láctea (1979), Nuvem Cigana (1982) e Meu Filme (1996) destacaram sua assinatura musical: um pop poético, mineiro, existencial. Entre suas composições marcantes estão Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, Para Lennon e McCartney, O Trem Azul, Um Girassol da Cor do Seu Cabelo e Feira Moderna — esta última feita em parceria com Beto Guedes e Fernando Brant, lançada originalmente pelo grupo Som Imaginário em 1970. A partir dos anos 2000, novas gerações redescobriram sua obra. Artistas como Nando Reis, Samuel Rosa, Tulipa Ruiz, Tim Bernardes e Rubel reconheceram em Lô Borges uma influência fundamental.
Quando o encontrei ao vivo pela primeira vez, naquela sexta-feira de 1992, o Cineteatro do Parque estava lotado. No palco, Lô, um violão, um teclado e uma delicadeza fora do comum. Nunca fui a BH, mas de alguma forma uma esquina dessa cidade redesenhou minha personalidade. Hoje, ao ligar a TV e saber da sua partida, percebi o quanto o tempo é implacável e quanto é difícil nos despedirmos de quem amamos. Lô, meu coração continua na curva de um rio e só me resta acreditar que apesar de tudo e de alguns “os sonhos não envelhecem”. “Onde morre a trilha do teu silêncio, vou te buscar… "

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