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por Taciana Oliveira____


Enquanto lia Antônio LaCarne a chuva ameaçava cair sobre o Recife. É um dia cinza em um país sem metáforas, de um governo insuportável, de uma tristeza inaceitável. Volto para leitura de Exercícios de Fixação (A.R Publisher Editora, 2018) e acolho as personagens. Nesse caleidoscópio de sentimentos posso ser cada uma delas. Mas posso também não ser.


A cidade que o engole no cinza de tempestades imprevistas no céu, como quem se enfeita para chorar sem motivos. Os prédios mais altos do mundo não choram. – Trecho do conto Cair demais.


O autor nos brinda com uma narrativa agridoce, uma escrita sem falsas simplicidades: LaCarne é artesão de uma prosa poética, mas nada é o que parece nessa tessitura melancólica. Todos estão nus, inclusive o leitor. A sensação de abismo é um pretexto para a respiração. Seus contos emergem do vazio para além da palavra. São como fotogramas de quem não se deu conta que possui o delicado ofício da observação. É preciso coragem para enxergar.

Em Shangai não me espera, o narrador responde com uma fluidez rítmica. O conto nasce manifesto e epifania. Já em Arlete no vazio há uma solidão clariceana, uma amargura dormente, fincada na construção de uma personagem que arde de desejo na aridez de sua existência. Na obra o autor não se furta em expor contradições, desafiar preconceitos (Lápis de cor é bem mais que um conto sobre bullying e homofobia) e cutucar sem sutileza a hipocrisia que devora a sociedade (Encanadores não desentopem enganos).


Destaco ainda que Exercícios de Fixação não é um livro pra se guardado na estante. Como a Via Crucis do Corpo de Clarice Lispector e Morangos Mofados de Caio Fernando de Abreu, é uma obra que precisa ser reverenciada na sua ousadia narrativa e temática:

Os deuses te ferem, mas não me decoram asas. O mar percorre os continentes. Quero que você me leia enquanto mastiga um mamilo e joga uma dor para escanteio. Sou livre enquanto posso. Shangai não me espera. Os travesseiros são as minhas pedras. Não estou triste com o fim da história que é este começo. Desde já os olhos se infiltram, imploram por penhascos infrutíferos, deixam as pernas de quem espera sempre abertas. Durante a encruzilhada, damos marcha à ré, calculamos a quantidade de dentes e nos apaixonamos por pessoas improváveis. – Trecho do conto Shangai não me espera.

O escritor Antônio LaCarne é uma grata surpresa em dias de tamanha apatia. Um exercício para sair da zona de conforto e acordar os homens.


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Antônio LaCarne escreveu Salão Chinês (Patuá, 2014), Todos os poemas são loucos (Gueto Editorial, 2017) e Exercícios de fixação (A.R Publisher, 2018).

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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem