por Taciana Oliveira__

BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! é uma exposição promovida por nove artistas cearenses. Ela dialoga com a memória e geografia afetiva da periferia, revelando sons, imagens e palavras desse cotidiano periférico. 
Gustavo Costa, um dos artistas, explica: A Budega cearense é espaço de “manutenção da nossa vida". Nas seções Fotogramas e Corredor de Criação iremos apresentar uma série com algumas das obras expostas no Carnaúba Cultural. A nossa primeira publicação apresenta o trabalho da fotógrafa Emília Teixeira.


Fotografia: Emília Teixeira

por Taciana Oliveira__


BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! é uma exposição promovida por nove artistas cearenses. Ela dialoga com a memória e geografia afetiva da periferia, revelando sons, imagens e palavras desse cotidiano periférico.
Gustavo Costa, um dos artistas, explica: A Budega cearense é espaço de “manutenção da nossa vida". Nas seções Fotogramas e Corredor de Criação iremos apresentar uma série com algumas das obras expostas no Carnaúba Cultural. A nossa sexta publicação apresenta o trabalho do fotógrafo  Gustavo Costa.



Fotografia: Gustavo Costa

por Taciana Oliveira__

Um grupo de artistas cearenses se conectaram nos diversos formatos audiovisuais para recriar e apresentar o universo sonoro/visual das bodegas. Seguindo a narrativa que bodegas são muito mais do que espaços comerciais, mas também “caixas de histórias” e pontos de lazer para moradores das comunidades, o trabalho expõe não apenas a realidade dos personagens fotografados, mas representa o contexto afetivo, a identidade social de cada artista. O resultado desse encontro foi apresentado no último mês de dezembro de 2019, no Carnaúba Cultural em FortalezaA exposição BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! traz a atmosfera física e sonora de espaços nascedouros de encontros periféricos, aglutinadores de memórias e vínculos afetivos.  Apresentamos na edição desse mês do Mirada uma série com publicações de trabalhos que compõem a exposição. Alguns dos criadores do projeto toparam participar de uma entrevista, e o nosso bate-papo virtual aprofundou questões sobre cidadania e o fazer artístico como referência de articulação social.  Para acessar fotografias e  intervenções promovidas pelos artistas na exposição, visitem as sessões Corredor Literário e Fotogramas.  Abaixo, segue a entrevista.  A budega está aberta!




por Taciana Oliveira__


BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! é uma exposição promovida por nove artistas cearenses. Ela dialoga com a memória e geografia afetiva da periferia, revelando sons, imagens e palavras desse cotidiano periférico.
Gustavo Costa, um dos artistas, explica: A Budega cearense é espaço de “manutenção da nossa vida". Nas seções Fotogramas e Corredor de Criação iremos apresentar uma série com algumas das obras expostas no Carnaúba Cultural. A nossa quinta publicação apresenta o trabalho do fotógrafo Leo Silva.

Dona Rosa/ Fotografia: Leo Silva
por Taciana Oliveira__


BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! é uma exposição promovida por nove artistas cearenses. Ela dialoga com a memória e geografia afetiva da periferia, revelando sons, imagens e palavras desse cotidiano periférico.
Gustavo Costa, um dos artistas, explica: A Budega cearense é espaço de “manutenção da nossa vida". Nas seções Fotogramas e Corredor de Criação iremos apresentar uma série com algumas das obras expostas no Carnaúba Cultural. A nossa quarta publicação apresenta o trabalho do fotógrafo Yuri Juatama.



Foto: Yuri Juatama
por Taciana Oliveira__


BUDEGAS, mais que vendinhas, elos! é uma exposição promovida por nove artistas cearenses. Ela dialoga com a memória e geografia afetiva da periferia, revelando sons, imagens e palavras desse cotidiano periférico.
Gustavo Costa, um dos artistas, explica: A Budega cearense é espaço de “manutenção da nossa vida". Nas seções Fotogramas e Corredor de Criação iremos apresentar uma série com algumas das obras expostas no Carnaúba Cultural. A nossa sétima publicação apresenta os trabalhos de  Karine Araújo e Junior Cavalcante.


Católogo da Exposição


por Taciana Oliveira__





por João Gomes__
Charge da exposição "Independência em Risco" 

por Rebeca Gadelha__


Artista: Reinforced
por Taciana Oliveira__


Na Maciel Pinheiro, Recife. - Fotografia: Taciana Oliveira


Falar de Teresa Monteiro sem citar Clarice Lispector é quase impossível. Teresa é uma fonte inesgotável de informações sobre a escritora que ano após ano influencia gerações no mundo. Sim, todos sabemos que a obra de Clarice Lispector rompeu fronteiras e provoca abalos sísmicos na vida de leitores brasileiros e estrangeiros.

Meu primeiro contato com Teresa aconteceu no verão de 2005. Naquele mês de dezembro eu reencontrava o Rio de Janeiro, após um hiato de exatos 20 anos. Em um quiosque na Praia do Leme conversamos pela primeira vez. Começava ali a jornada para a produção de um documentário sobre Clarice, tendo como referência as crônicas publicadas no livro A Descoberta do Mundo. Indicada por Paulo Gurgel Valente, filho da escritora, Teresa vinha somar, atuando como consultora na produção, garantindo a veracidade de datas e informações biográficas. Depois de inúmeras conversas telefônicas, emails, xícaras de café e correções, ela foi finalmente convidada por mim para dividir a criação do roteiro. De lá pra cá são 14 anos de parceria traduzidos em incontáveis fotografias, passeios pontuais no Rio de Clarice, nas ruas do Recife e nas ladeiras de Olinda.

Feliz com a notícia do relançamento do seu livro pela Editora Rocco, Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector, Teresa planejou e estruturou um capítulo dedicado a passagem da escritora na capital pernambucana. Pensando nisso, no último mês de julho, ficou cerca de 15 dias hospedada no Hotel Central, localizado próximo ao casarão que Clarice morou na infância. Bem pertinho da Praça Maciel Pinheiro, da Rua da Imperatriz e da Avenida Conde da Boa Vista. Durante esse período visitou os arquivos dos principais jornais do Estado, conversou com parentes da escritora, entrevistou os escritores Raimundo Carrero e Augusto Ferraz e visitou o ateliê do escultor Demétrio Albuquerque. Aproveitou cada segundo dessa geografia afetiva, sempre pontuando dados, desenhando narrativas para mergulhar mais e mais sobre trajetória de Clarice na cidade dos mascates.

Com Demétrio Albuquerque em Olinda - Foto: Taciana Oliveira

Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector teve sua primeira edição em 1999. Na época o nome original de Clarice, Haia Lispector, seria revelado a partir de uma pesquisa de Teresa no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, assim como a carta que Clarice escreveu ao presidente Getúlio Vargas solicitando sua naturalização. Todo esse material era até então inédito. Sua biografia, que inspirou a publicação de outras biografias, há tempos era merecedora de uma reedição. E agora por ocasião do Centenário de nascimento da escritora, Teresa Montero amplia esse leque e traz ao público uma edição revista minuciosamente.
Leonina, carioca, múltipla, de um sorriso pleno, daqueles que te chamam para o abraço, Teresa é dona de uma sinceridade espontânea e corajosa. Seu ofício é praticado com uma devoção quase que religiosa. Nos últimos anos aprendi um tanto de coisas acompanhando sempre que possível sua rotina de trabalho. Sou profundamente agradecida pela oportunidade desse encontro.
E para celebrarmos na data de hoje o aniversário de Clarice Lispector, publicamos uma entrevista com a mais pernambucana de todas cariocas: Teresa Montero

Teresa Montero - Foto: Daniel Ramalho/Divulgação


por Mirada

Já existe uma data para o relançamento do livro Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector?

A Editora Rocco publicará no segundo semestre de 2020. Há 20 anos ela foi lançada e encontra-se esgotada a bastante tempo.

Poderia adiantar algumas novidades da nova edição da biografia?

São muitas. Será um novo livro. Por exemplo, trechos de depoimentos de amigos e parentes que não foram publicados na primeira edição por conta das minhas escolhas. Publicar uma biografia é fazer escolhas, também. Especialmente um material tão amplo como os depoimentos que na primeira edição foram 88; e agora o número já se expandiu. Isso vale também para documentos como correspondências e outros. A viagem dela ao Recife em 1976 também é um momento bastante importante que será mostrado. 
Na pesquisa para o filme A Descoberta do Mundo, a diretora pernambucana Taciana Oliveira descobriu essa história, aliás mostrada de forma tocante no filme. Na biografia ela tem mais espaço para se expandir.  Acredito que Eu sou uma pergunta: Uma biografia de Clarice Lispector trará novas leituras sobre esse itinerário literário. Clarice dialogou com a sua época, a ultrapassou muitas vezes e manteve uma troca fértil com o meio artístico (além do literário) brasileiro. Uma das perguntas que a biografia suscitará é o que significa celebrar o Centenário de uma mulher que se tornou uma escritora.

Entrevistando Raimundo Carrero - Foto: Taciana Oliveira


São trinta anos mergulhada no universo de Clarice Lispector. É uma emoção e uma responsabilidade trazer uma nova edição. Muitos tem se dedicado a pesquisar sua vida e obra em todos os continentes. A trajetória biográfica também promove essa união de tantas pesquisadoras, as mulheres são maioria, e os pesquisadores: nós, brasileiras, com as latino-americanas, as francesas, as norte-americanas, as espanholas e por aí vai.


Quantos anos de passeio do O Rio de Clarice? E como ele foi fundamental para a construção da obra de mesmo nome?

São onze anos. O livro O Rio de Clarice-passeio afetivo pela cidade (Autêntica, 2018) foi feito como resultado da prática do dia a dia. Desde o início imaginei que o passeio deveria virar livro, pois é uma forma do cidadão, do leitor, se aproximar dos caminhos clariceanos e do Rio de Janeiro. Quantos gostariam de fazê-lo mas não poderão vir ao Rio, ou moram no exterior?. E olhe que há casos de leitores que se deslocaram de outros países e estados para percorrerem os caminhos. E há os que curtem a leitura pelo prazer de mergulhar no roteiro de uma escritora que atravessou quatro décadas na cidade. É muito rico esse olhar. 
O Rio de Clarice é um ato político, ele não se esgota em enaltecer a trajetória de uma mulher escritora que fez tanto pelo Brasil, o passeio coloca o leitor diante da cidade. É uma travessia pelos bairros, vendo, ouvindo, sentindo o dia a dia de várias partes do Rio. Eu mesma me sinto assim a partir do momento em que criei o passeio. Acredito que O Rio de Clarice abarca várias instâncias, não estamos falando simplesmente de “adorar a Clarice Lispector", estamos exercitando a nossa cidadania à medida que conhecemos uma cidade sob diversos ângulos. Acompanhados por Clarice Lispector o passeio se torna sempre revelador e transformador. Não importa se tiver somente uma pessoa ou trinta. Já fiz um passeio para uma pessoa com chuva no Jardim Botânico. Imagina o resultado disso em nós.

Com Cristina Pereira no Espaço Clarice Lispector

Cite um texto de Clarice que traduza o nosso momento atual

A crônica Eu tomo conta do mundo publicada no Jornal do Brasil em 4 março de 1970. Há um momento em que ela diz:  Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida.

Será essa a missão do escritor?

Agradeço ao Mirada a oportunidade. Desejo vida longa e muita inspiração clariceana para que o Mirada leve a nossa literatura como uma ponte para andarmos por caminhos democráticos e solidários

Clarice Lispector




*Ah! Em breve novidades sobre o filme A Descoberta do Mundo. Aguardem!



Teresa Montero é professora, atriz e biógrafa. Doutora em Letras pela PUC-Rio, com a tese Yes, nós temos Clarice: a divulgação da obra de Clarice Lispector nos Estados Unidos, professora dos cursos de licenciatura em Letras e Teatro da Universidade Estácio de Sá, dedica-se a divulgar o legado de Clarice Lispector há 28 anos. É idealizadora e guia dos passeios O Rio de Clarice e O Rio de Carmen Miranda que integram o projeto Caminhos da Arte no Rio de Janeiro, criado em 2008. Organizou diversas obras de Clarice Lispector e, no campo da biografia da escritora, seu Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector (Rocco, 1999) tornou-se um trabalho pioneiro ao reunir uma pesquisa inédita com 88 depoimentos. Foi também co-roteirista do documentário A Descoberta do Mundo (2015), dirigido por Taciana Oliveira






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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.
por Taciana Oliveira___

Kika Freitas revela na suas imagens em preto e branco traços geométricos, a solidão urbana e a perspectiva do vazio. Kika pondera: A exposição EuEstranho tem como finalidade a subjetivação do olhar, possibilitando o diálogo com a multiplicidade dos processos artísticos através do estranhamento. Minha intenção foi abstrair o olhar e encontrar no RECORTE a forma, levando o expectador a contemplar a plasticidade da obra.




por Taciana Oliveira__

O fotógrafo americano Ansel Adams vaticinava: Você não tira uma foto, você cria uma foto. A seção Fotograma do mês de dezembro apresenta a primeira parte, de um total de duas, de uma série fotográfica produzida pelo mineiro Ricardo Laf.
Ricardo nos presenteia com cores, ângulos e experimentações de uma Belo Horizonte  desenhada por suas imagens: poética, plural e encantadora.

Centro Afonso Pena
Fotografia: Ricardo Laf

Por Adriane Garcia__




Por Adriane Garcia____

Alguns livros, para além de muito bons, são importantes. É o caso de Um exu em Nova York, livro de contos de Cidinha da Silva. O livro é composto por 19 contos. Já na abertura, em I have shoes for you, Cidinha nos dá um dos elementos que irão perpassar muitas das histórias: a leitura dos sinais, o exercício da intuição, a ligação espiritual de todas as coisas.

Esse enfoque, totalmente em consonância com a cosmovisão africana, que é holística e compreende tanto o sagrado quanto o profano no mesmo espaço, será um motor para as narrativas. No conto em questão, a protagonista precisou se esforçar um pouco mais para compreender por que razão uma mulher pobre e desconhecida, que lhe ganhou uma esmola, estava oferecendo a ela sapatos. “Exu matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje” marca o entendimento profundo da ação: proteção e caminho.

Imagens inusitadas, prenhes de elementos mágicos, saltam dos contos de Cidinha da Silva. Em O homem da meia-noite, é delicioso perceber Exu no homem que descansava a perna estropiada numa grade. Rua erma, noite, há todo um clima para o medo e o mistério. A mulher pede proteção: Laroiê! E uma surpresa se revelará para a leitora, o leitor. Em Metal-metal, os princípios da cura africanos se encontram com a medicina chinesa: não à toa, essas curas pressupõem o ser como força, como encadeamento de energias vitais que podem ficar livres ou obstruídas. É saber ancestral africano a manipulação das energias, pelos elementos naturais (animais, minerais, vegetais), para alcançar o bem-estar da comunidade. Exu, como princípio de movimento que é, Rei do Corpo, também circula as vias internas.

Se a sabedoria herdeira do culto aos orixás e divindades africanas (iorubá e angola-congo) encontra personagens e cenários neste Um exu em Nova York, em tudo a autora trata da diáspora e dos seus efeitos. A história das pessoas africanas no Brasil é marcada pela violência desde sempre. Sequestrados de seu lugar, sem direito sequer ao próprio nome, as africanas, os africanos e seus descendentes tiveram que reinventar um mundo dentro de um sistema opressor e de hegemonia branco-macho-hetero-católica. Essa reinvenção – calcada na cultura, saberes que traziam, na ligação com a ancestralidade, nas características comunitárias de viver com o diverso – tornou-se um caso exemplar de resistência de um povo. Em Kotinha, a autora detalha a invasão de um templo de candomblé por evangélicos. Do lado dos criminosos, há um deus capitalista da teologia da prosperidade; do lado dos terreiros, cuja existência, por si só, já é resistência, os mundos e os tempos “Sasa” e “Zamani” se juntam.

A cosmovisão africana destaca o passado e o presente. Esses dois tempos se intercalam. “Zamani” é o tempo mítico, o tempo dos ancestrais. Os tempos se comunicam de forma não linear. A morte, por exemplo, na cultura iorubá, é apenas retorno da matéria ao seu lugar primordial. No conto Jangada é pau que boia, a matéria do homem se entrega às águas. No conto Sábado, a narradora encontra um homem que, à beira de um lago, oferta flores a Kissimbi (do panteão angola-congo) pelo nascimento do filho, mas guarda uma tristeza em relação à morte, apesar de compreendê-la.

Não tendo a atenção centrada no futuro, a cosmovisão africana não abriga escatologias como o céu ou o inferno cristãos; nem mesmo o conceito de culpa ou pecado. Em filosofias cuja práxis se dá no bem-estar da comunidade, a atenção se foca sobre o ensinamento dos anciãos e ancestrais, na responsabilidade do indivíduo diante do grupo. Os ritos fúnebres selam a compreensão e aumentam a força do “Zamani”, pois transfere a força vital de um tempo (presente) para outro (passado), assim como os nascimentos aumentam a força do “Sasa”. É uma filosofia do equilíbrio. Uma filosofia ecológica.

O passado não é estanque, é um lugar de ensinamento e memória que conversa com o presente. O ancião e o ancestral possuem lugar de destaque. No conto O velho e a moça, a jovem pergunta ao velho (Ayrá e Agodô), que lacrimeja todo o tempo, pois traz nos olhos “a memória das águas”, se deve contar o vivido. Ao ouvir a resposta “conte o que fizeste dele, minha filha”, quer saber se bastaria. O velho então, Xangô, responde: “Se basta não sei. Aviva”.

Avivar, tornar mais vivo, encher de ânimo, de alma, avigorar-se. A palavra em Cidinha da Silva surge também como grito sobre essa plenitude negada pelo racismo e pela necropolítica. Em Maria Isabel, Cidinha da Silva expõe uma das duras realidades do percurso de uma pessoa negra no Brasil: a vida curta, quase sempre interrompida/ceifada pela violência social e racista. A personagem narradora está morta e, fato raro, morreu de morte natural. No mesmo conto, a falácia da meritocracia que, se mantém apenas os brancos nos cargos de poder, é por não haver oportunidades minimamente viáveis para os negros.

Em Válvulas, há espaço para a desilusão amorosa e o assédio do pastor da igreja. A sorte foi existir Iansã e seus ventos. As personagens de Cidinha da Silva sabem ler objetos que caem do nada e se quebram. Também uma bonita história de amor em No balanço do teu mar. Em Lua cheia, filhos crescidos, casal mais velho, uma das lições do machismo: hora de o homem trocar de mulher. Nesse conto, de condução de ritmo excelente, mais uma vez o elemento mágico assume importante papel, quando a mulher preterida vê o marido fazendo para a rival coisas que jamais fez para ela. No final, temos a sensação de ter ouvido uma daquelas histórias de justiça – ou vingança – que as avós do mundo poderiam nos contar.

Marina traz uma homenagem à escritora Natália Borges Polesso. É um conto sobre o desejo de ser amada e sobre o acaso, sobre a fragilidade da vida humana. Sonho e realidade se misturam, ficando para o leitor a condução do final. Em Farrina, um pouco do retrato da diáspora como experiência comum das pessoas negras no mundo inteiro. O conto se passa em Nova York e mostra o reconhecimento dos negros entre si. Tanto lá, quanto cá, as marcas no corpo e o descaso com as políticas públicas para a população afrodescendente.

É interessante notar no conto Mameto, a ausência do preconceito contra o diferente, no caso, o envolvimento amoroso da zeladora da Casa com uma das frequentadoras (o dilema que aparece na personagem é ético, é ausente a questão do pecado ligada à orientação sexual). A comunidade aceita a vida conjugal das duas mulheres na medida em que não há mal algum para a comunidade, ao contrário, as duas mulheres vivem harmonicamente. Os orixás aparecem não para julgar, mas para celebrar o novo encontro e a alegria de uma existência que agora se tornara mais plena e prazerosa. É muito bonito o conto. E é sempre trazendo o movimento que Exu aparece.

O manda-chuva é um conto impactante. Poucas vezes o assunto do reprodutor e da reprodutora sexuais são tratados na literatura brasileira. Assunto da máxima importância, o silenciamento sobre ele também esconde os fundamentos da cultura do estupro no país. O manda-chuva conta a história de um ser humano escravizado obrigado a fazer filhos em meninas que não queriam a relação sexual, muito menos poderiam ficar com seus filhos, feitos para a venda. “Chegou a fazer 60 filhos num ano, entre as negras da fazenda e outras da região cujos donos o alugavam”. A história é de uma violência máxima e absurda, que Cidinha da Silva conduz de forma primorosa, deixando claro que não se viveria tamanhos horrores sem resistir/reagir de várias formas.

No conto Akiro Oba Ye!, jovens moradores da Vila das Alterosas convivem com a especulação imobiliária que os expulsa e o tráfico que perturba suas vidas. De maciça maioria trabalhadora, a favela convive com o grau máximo do descaso político da República. Rosa de Matamba, Mary de Anya, Robério de Ogunjá, Áurea de Obasi, Eduardo Ajagunã e Emerson Xoroquê ao longo do conto serão transformados, pela linguagem, nas divindades que representam. O conto é fascinante também pela forma.

Em Dona Zezé, conto delicioso, aprenderemos que, com perspicácia, é possível enganar a Deus; assim como aprenderemos em Tambor mineiro que há quatro batidas para o tambor e que ai daquele que toca o objeto sagrado sem permissão.

Cidinha da Silva encerra seu Um exu em Nova York com o Sá Rainha. A anciã líder que se paramenta pela última vez para morrer. Sua dor, resistência e sua despedida emocionantes não poderiam fechar melhor um livro que grita a dignidade das mulheres e homens que, por sua existência, quando tudo lhes é contrário, são o próprio milagre deste país.

Exu nos traz à encruzilhada e continua nos perguntando qual caminho vamos seguir.

Todos limpos, sem furos nas roupas, sem manchas de sangue. Surpresos ao reencontrá-la ali no lugar onde vagam. Sá Rainha chora e agradece à Senhora do Rosário. Passa a mão pelo rosto de cada um dos filhos, beija-os. Fala da saudade. O povo vai se juntando. Cerca a Rainha, os meninos. Tá caindo fulô/ tá caindo fulô!/ Lá no céu/ cá na terra/ oi lerê, tá caindo fulô!.
Sá Rainha sai do abraço dos filhos. Afasta-os, carinhosa. Abaixa-se e risca o chão com um caco de telha. Pontos que ninguém ali sabe interpretar. Coloca o bastão no chão. Chora baixinho ao tirar a coroa, deposita-a na terra.
Os filhos vão desaparecendo. O povo também. Ela fica sozinha com suas insígnias de realeza depostas. Aos poucos, Sá Rainha também some no tempo. Restam o bastão e a coroa à espera de alguém.
Êh Tempo! Êh Tempo! Zaratempô! Êh Tempo! Êh Tempo! Zaratempô! Êh Tempo! Êh Tempo! Zaratempô!” (p. 73)

***
Um exu em Nova York

Cidinha da Silva

Contos

Pallas, 2019



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Cidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte. Escreveu Racismo no Brasil e afetos correlatos (2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (2014), entre outros. Autora das peças teatrais Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas, encenada pelo grupo "Os Crespos", em 2013, e Os coloridos, em 2015. É editora da Fanpage cidinhadasilvaescritora e colunista dos portais Forum, Geledés e Diário do Centro do Mundo


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Adriane Garcia nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 2006, no curso de pós-graduação em Arte-Educação, na UEMG, interessou-se por estudar sobre a desconstrução do Arraial do Curral del Rei e a construção da primeira cidade planejada da República, com destaque para as questões de esquecimento e memória.Tendo vivido sempre na periferia (norte) da capital mineira, o olhar voltado para as origens e a exclusão social acompanha sua poesia. Publicou os livros Fábulas para adulto perder o sono (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura, 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (Ed. Confraria do Vento, 2015), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018).


por Taciana Oliveira__


O Mirada comemora seu primeiro aniversário entrevistando Christiane Angelotti, fundadora do portal Para Educar, editora e curadora da Revista Gueto. Christiane acredita na leitura como um um instrumento fortalecedor da inclusão social e afirma: Acima de tudo, ler é um ato político. É um despertar.