por João Gomes__




por Taciana Oliveira_

No ano de 2015, a fotógrafa Kamila Ataíde foi a cidade de Custódia, no Sertão de Pernambuco. Um amigo a tinha convidado para criar um ensaio fotográfico que apresentasse o ambiente solitário onde vivia sua avó.  Todas as fotografias foram captadas e editadas com celular. O Mirada escolheu algumas imagens desse ensaio para ilustrar a seção Fotogramas desse mês.



Foto: Kamila Ataíde
por Kamila Ataíde__

Andrei Tarkovscki é um gatilho, um convite à memória. Foram às minhas lembranças mais caras da infância a que fui atirada. Quando recebi o impulso de escrever sobre ele, pensei que das tantas coisas as quais eu o atribuo, a que eu poderia falar com mais propriedade e, aliás, a mais presente quando lembro das suas obras, é o impacto emocional e afetivo ao qual ele me lança sobre minha própria vida, mais especificamente, sobre a minha infância. Fui rememorando cada um de seus filmes e noto que há sempre uma sensação de nostalgia em mim impactada pelas representações intensas e pungentes de cada momento em que ele projeta um traço de memória. Particularmente, as minhas lembranças mais ternas da infância se desenham na minha mente exatamente com determinadas características de cores e texturas de algumas das suas películas. Isso não só acontece com memórias reais, mas com alguns dos meus sonhos mais significativos. 
Tarkovscki trouxe uma verdade onírica e humana às narrativas, que através das características visuais e linguagem fotográfica escolhida por ele me atira sobre cenas calorosas dos 5 ou 6 anos de idade, como também aos sonhos mais conflitantes. A rua da minha casa às 7 horas da manhã, as tardes chuvosas e à meia luz, assistindo TV na companhia da minha avó sentada na cadeira de balanço - fui levada a essa memória ao assistir Nostalgia (1983) e me deparar com a cena do quarto de hotel, onde o personagem Gorchakov está deitado na cama e a iluminação vai se modificando aos poucos no quarto, os cachorros que tive,  a tarde em um sítio de algum parente, em algum lugar do mundo, as correrias de fim de semana no meio da rua. 
Revisitando alguns trechos do filme O Espelho (1975) para escrever esse texto, fui arrebatada por memórias inéditas de algum lugar no espaço-tempo da minha infância. Apenas alguns flashes de um campo arborizado, pessoas muito altas por perto e uma luz de fim de tarde. Andrei ainda dota desse poder. A cada vez em que paro para revisitar alguns de seus filmes, eles extraem de mim alguma cena esquecida e guardada no fundo da memória.


                                                                                                             O Espelho (Andrei Tarkovski, 1975)


Nesse mesmo filme, O Espelho (1975), Tarkovscki traz uma leitura da própria vida através do paralelo entre passado e presente e sugere - através de algumas características do filme como a utilização dos mesmos atores para personagens diferentes – a percepção de como algumas vidas são reflexos de outras, como uma reprodução hereditária de comportamentos. Isso me faz pensar sobre como vi e ainda vejo algumas histórias da minha família se repetirem com o passar das décadas. Cada uma das películas me convidou, em determinado momento, a viajar no tempo até algum instante considerado importante para a cabeça de uma criança entre os 4 e os 10 anos. E cada uma dessas películas também me convidou à refletir como os elementos de uma linguagem fotográfica, seus aspectos técnicos, dramáticos, suas composições, a iluminação, a música, o silêncio em momentos cruciais, são capazes de inspirar e encaminhar o espectador a regiões tão pessoais da própria vida e, por mais destoante que possa ser a realidade da personagem com a do espectador, ainda assim, gerar algum segundo de identificação e viagem no tempo. Tarkovscki é realmente um convite à memória, a dele e a nossa, da forma mais sensível e humana que se pode fazer.




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Andrei Tarkovski nasceu em 1932, na extinta União Soviética. Filho de uma atriz e de um poeta, foi criado pela mãe (seu pai abandonou a família quando Tarkovski tinha cinco anos). Formado em geologia, mas apaixonado pela sétima arte, cursou a Escola Soviética de Cinema (VGIK). Dirigiu A Infância de Ivan (1962), Andrei Rublev (1966) Solaris (1972) e Stalker (1979), Nostalgia (1983), O Sacrificio (1986) entre outros títulos. É considerado um dos maiores cineastas do século 20 e talvez seja apenas superado, em grau de importância no cinema russo, por Sergei Eisenstein.
Faleceu em 1986 em consequência de um câncer no pulmão.

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Kamila Ataíde é comunicóloga, fotógrafa e produtora do projeto  Noites Recife Lo-Fi.


Divulgação__


Fotografia: Kamila Ataíde


por aymmar rodriguéz __

Gordon Bennett, Notes to Basquiat_ AB) ORIGINAL, 1999



por Adrianne Garcia__




por Alessandro Caldeira__



Por Taciana Oliveira__

por Tadeu Sarmento__


por Taciana Oliveira__

No Corredor de Criação desse mês apresentamos os trabalhos do artista cearense Betocello. Quer saber mais sobre sua trajetória artística? Visite a seção Falatório


por Taciana Oliveira__




por Adriano B. Espíndola Santos__


A vitória , 1939 - por René Magritte

Escutei, ao longe, indícios. Logo o arrepio e o asco, feito unhas raspando a parede lisa da sala, percorreram o meu corpo. O mal-estar iminente, a galope, atravessava as entranhas e arrancava meu coração, boca afora.

Era real. Incrível. Mal pude acreditar, em pleno começo de ano. O sujeito entrou e sentou, com louros, no mesmo espaço que eu. E aí? Recolhi-me à insignificância de um mero trabalhador. Eu, simplesmente, fui forçado a dividir o ar com um sujeito que detonou, durante cinco meses, a minha vida e a da minha família. Que podia fazer naquele estado de submissão? Repito, para me convencer, sou um reles assalariado; e os ganhos valem mais a pena que a cordialidade, humanidade, etc., etc., etc. E quando o dinheiro não valeu mais que qualquer pessoa?

O sujeito, por pura implicância, intrínseca desfaçatez, vinha ganhando, aos poucos, a simpatia do patrão, que, coitado, pode acabar se ferrando como eu me ferrei. E ele sabe; isso é o pior. Ele acompanhou a minha tormenta, o desgaste sobre-humano irresistível por que passei. Mas, sem fugir à regra, para o chefe foi um grandíssimo mal-entendido. Ao passo que, assim, ele disse, em outras palavras: “Você está pirando, rapaz”. E ri – ar blasé derramado. E não consigo esquecer o mantra que ele adquiriu (pagando caro) nos últimos tempos: “Controle emocional, Silvério! Controle emocional, rapaz!”.

Estou vendo, reparando a cara dos dois, que gracejam: “Grande negócio!”; ainda mais, zombando da minha presença. Ganhos mútuos? Talvez. Ou um pensando em ganhar um pouco do outro. A única certeza: nenhum naquela sala estava absolutamente tranquilo, relaxado. Eu, por ter de permanecer ali, como funcionário imediato, atado aos comandos do chefe. E eles, com os seus blefes; treinamentos para controle emocional; tons ponderados e toques milimetricamente calculados de mãos; maneiras circunspectas que se olham, para transparecer confiança, certeza e, por fim, vantagens recíprocas.

Tentei me alhear, primeiramente, mas os sons aumentaram, sem controle. Dispersei-me, completamente. Enquanto estavam lá, não conseguia trabalhar.

Fui arrastado e me espalhei; vaguei e aventurei-me a passear pela praia, onde eu queria estar. Então, um chiste medonho me sugou à realidade; outra frase de efeito, e, como bons e velhos conhecidos, expertos em negócios, certificaram efusivamente que processo iria continuar.

Quando pensei que o sujeito ia despedir-se, virou-se, enfocou o patrão, e articulou: “Aproveitando o ensejo, e o coworking?”. Meu chefe, de braços abertos, sem o abraçar, quase o pegou no colo, acolheu como quem acolhe um parente vivido anos no exterior, e exclamou expansivo: “Ótima oportunidade!”, e desembestou a falar que teria o maior prazer em recebê-lo e fazer parcerias; que precisava de uma pessoa comprometida como ele, para desenvolverem bons trabalhos; e o principal, claro que iria proferir: “Vamos ganhar muito dinheiro em 2020!”.

O embuste, enfim, se foi. Depois de passado o estorvo, da energia pesadíssima que comprometia o lugar, pensei mais e desejei que o meu chefe tivesse tino e sorte. Ele não tem o filtro natural para despachar o mal-estar. Ele não sente. Já percebi. Sorte ou azar? Não sei. Ele, infelizmente, tem a propensão para pensar em cifras, números. E eu, que achei que podia livrá-lo dos absurdos inconvenientes, não pude. Sou, além de tudo, impotente.




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Adriano B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor do livro Flor no caos, pela Desconcertos Editora, 2018. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.



por André de Leones__

Editora Rocco, 2013 - Foto: Roseli Vaz
por João Gomes__

Fotos: Roseli Vaz



por Adriane Garcia__



por Taciana Oliveira__
Colaborou: Adriane Garcia


por Rebeca Gadelha__


por Rebeca Gadelha


Artista: Palow Nakamura
por Alessandro Caldeira___

Durante toda a minha juventude brinquei só. Fingi ter amigos, amigos da espécie mais rara que só criança consegue presenciar: os imaginários. No entanto, a presença deles nunca foi capaz de sanar a minha infelicidade. Depois de horas brincando, até eles voltavam para a casa e, assim, eu voltava a ficar só. Desde então, descobri que a solidão era a casa onde eu morava e por isso que ninguém sobrevive quando peço para entrar.

Me é estranho que a infância ainda me seja um desejo porque não lembro muito bem dela. Mesmo tendo 15 anos, a minha infância é um passado distante. Mas quando perguntam meu nome, eu respondo: Rafael, mas na infância eu sei que só atendia às vozes do vazio que se aproximava e me perguntava: você tem nome, garoto? E eu respondia, com os olhos assustados, só que cheios de esperança dessa pessoa desconhecida que habita no escuro dos meus dias ser meu novo amigo: tenho sim! Me chamo solidão. 

Hoje, no auge da minha pré-adolescência, onde a pele não queima no sol e nem enruga na chuva, portanto, com boa saúde, não escapo da minha insanidade que habita em mim constantemente e dos meus pensamentos  que me tornam criança novamente, como diria Graciliano, eu misturo coisas atuais a coisas antigas.

É por isso que muitos me pegam de surpresa por lugares que nem são mais meus ou que se quer existiram, e numa atitude desesperadora e impaciente, me acudam, “acorda”. A minha vida é reduzida em alguém sempre me pedindo para eu acordar. Não as culpo. Elas querem que eu esteja perto, mas quando “acordo” nego que estivesse dormindo.

Estava sim!”, afirma de forma veemente e irritante a Lari. Ela é a minha amiga, sei que é; principalmente quando ela diz que “se preocupa com as coisas que eu tenho na cabeça”, mas quando ela fala desse jeito me sinto aborrecido porque tenho a impressão de que faço parte de uma espécie diferente. É legal ser diferente, porém só quando as pessoas percebem que você é diferente, caso contrário, você só fica sozinho.

Por que têm tanto medo da solidão, Rafa?”, a Lari me pergunta isso todos os dias (irritante!), mas eu minto que “não sei”, em parte porque eu quero que a Lari pare de ser chata e não se intrometa onde não é chamada, mas é porque, também, não quero entrar em assuntos que me doem.
Só que mais uma vez me ponho distraído e volto a viver coisas antigas...

Continua...


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Alessandro Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.



por Adriane Garcia__