Não me espere para jantar - Carol Sanches

por Taciana Oliveira__








Em Não me espere para jantar (Editora Patuá, 2019), a poesia de Carol Sanches se revela genuína e vigorosa. Há um necessário inconformismo, uma sensação absoluta de não tolerar a “normalidade civilizatória” que nos cerca. Carol desenha a curva sem medo:

(..)
por favor preciso respirar
mais alto

Seus versos transbordam o feminino, o pulsar obstinado do corpo que se move para escrever a história. Fragmentos da infância, desejos, apatias e a reação como promessa de eternidade. Na escrita de Carol Sanches o poema é rua sem começo e fim, é o peso de todas as histórias, é o tempo que atravessa a placidez das paredes, é uma boneca sem perna.
Não me espere para jantar é como uma mandala de emoções agridoces, um círculo afetivo que se abre para despertar o leitor: na maternidade que ampara e desgoverna o tempo, na certeza lícita de não se render ao que é oportuno às instituições. Carol Sanches provoca e novamente respira:

(...)
aos que se consideram poetas
saibam:
não existe poesia neutra
tímida
poesia de meta
o que há é o fundo sem
perspectiva de chão
há sobretudo há
o mergulho em si
o desejo de ser sombra
que a luz tem fome de oposto
oprimido-opressor
oitos-oitentas
poetas: saibam disso

A obra é dividida em cinco partes: o ipê lá de casa, um ovário a menos, yo soy el arma de fuego, do tempo do lambari e dois minutos. Nesse conjunto de impressões tropeçamos na melancolia, na saudade, no amor, no desejo de alargar o amanhã:

(...)
(só que a esperança é uma ferida aberta
e você teima em se esconder
nos seus vastos desertos de sal)

Há uma honestidade feroz e delicada nas entrelinhas de cada verso. Há um choro incontido, uma porta que se fecha e uma janela que se abre além dos alicerces que sustentam cada palavra. Carol Sanches é muitas, e única nos diversos caminhos que escolhe para reivindicar o que é seu. Não há como disfarçar a dor de existir.

Caetano Veloso e Gilberto Gil na canção Panis et Circenses, gravada pelos Mutantes no álbum Tropicália, em 1968, já nos alertava: Eu quis cantar minha canção iluminada de sol / Soltei os panos sobre os mastros no ar / Soltei os tigres e os leões nos quintais / Mas as pessoas na sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer.

Carol Sanches nos revigora com sua vulnerabilidade e coragem:

(...)
antes que mudasse de ideia
antes que fosse puxada pelo buraco negro
das corridas celestiais
disparando a galopes seus plasmas
seus gases
peguei pela cauda
montei a estrela
espanei os morcegos
e gritei:
mãe, não me espere
para jantar


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Carol Sanches é autora do livro Não me espere para jantar (Patuá, 2019), menção honrosa no Prêmio Maraã de Poesia 2018, e dos livros independentes Poesias pormenores (2008) e Toda diva tem divã (2009). Tem poemas publicados nas revistas Mallarmargens, Gueto, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura e Escrita Droide, além de fazer parte das coletâneas de poesia Prêmio Sarau Brasil 2018 e Quem dera o sangue fosse só o da menstruação (Urutau, 2019).






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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.