O que me motiva é o próprio trabalho de escrita — André de Leones

por João Gomes__

Fotos: Roseli Vaz


Para a seção Falatório de fevereiro conversei com o escritor goiano André de Leones. Nossa conversa aconteceu por e-mail no dia de seu aniversário, possibilitando rememorar a premiação de seu romance de estréia, Hoje está um dia morto (Record), que venceu o Prêmio Sesc de Literatura no ano de 2005. Com traduções na área de ciências sociais e já oito livros de ficção publicados, conversamos, entre outros assuntos, sobre a dificuldade de publicação de seu primeiro infantojuvenil e o retorno da crítica que, segundo André, é satisfatório à sua obra: Aliás, creio que alguns dos melhores críticos brasileiros estão pela internet.

1—André, hoje, 19 de janeiro, você completa 40 anos. Sabendo que sua profissão é a escrita também para revistas e jornais e tendo no currículo oito títulos, como foi que se deu sua formação além da graduação em química até chegar na de filosofia. O que o motiva a ser escritor num país onde o índice de leitura é muito abaixo da média?

Embora tenha lecionado Química (entre outras coisas) no Ensino Médio e em cursinhos, não tenho formação na área. Estudei Cinema muitos anos atrás (mas nunca trabalhei na área) e, mais recentemente, concluí minha graduação em Filosofia. Como escritor, procuro não pensar muito nos índices de leitura dos brasileiros em geral. Tento me concentrar no trabalho de escrita e conceber meus livros da melhor forma possível. É claro que eu gostaria de ter mais e mais leitores, e faço o possível para divulgar o meu trabalho, participo de eventos, visito escolas, mantenho algumas redes sociais, procuro despertar nos jovens o gosto pela literatura. Meu alcance é limitado, mas faço o possível. Logo, o que me motiva é o próprio trabalho de escrita.


2—Você venceu, em 2005, o Prêmio Sesc de Literatura na categoria romance, e foi através de Hoje está um dia morto que conheci e me impactei com sua literatura. O que você tinha em mente no auge dos 25 anos quando recebeu o prêmio e viu sua obra ganhar as livrarias de todo o país pela parceria do Sesc com uma grande editora? E o livro, ele passou por alguma modificação editorial?

Fiquei bastante surpreso ao ganhar o prêmio. Eu vivia no interior de Goiás, não conhecia ninguém do meio literário, e foi um grande amigo chamado Aldair Aires, infelizmente já falecido, quem inscreveu o livro para mim. Eu achava que não teria chance, que era um livro muito pesado e “hardcore” para ser premiado. De fato, depois de publicado, houve gente dentro do próprio Sesc que se indignou com o romance, dizendo que ele era obsceno, pornográfico, imoral. Os responsáveis pelo prêmio tiveram de defender o livro, e fizeram isso muito bem. Quem imaginaria que a estupidez e o obscurantismo não só aumentariam no decorrer dos anos seguintes como se tornariam uma espécie de política de Estado no Brasil? O livro não sofreu nenhuma modificação editorial. Ninguém da Record pediu que eu aliviasse ou cortasse trechos mais pesados. Hoje está um dia morto foi publicado exatamente como eu queria.

3—Logo em seguida da publicação de Hoje está um dia morto, você lançou um livro de contos, o Paz na terra entre os monstros, mas no decorrer de sua produção vieram mais romances. Como você lida com a forma e o gênero literário dentro de sua escrita? O romance é mesmo o gênero mais bem aceito no mercado editorial?

Sim, o mercado tende a preferir o romance. Isso é curioso, pois temos uma tradição riquíssima de contistas, como Sérgio Sant’Anna, Dalton Trevisan, Márcia Denser, Murilo Rubião, Lygia Fagundes Telles e tantos outros. O conto é uma forma literária extremamente difícil, e eu não me considero um bom contista. Por essa e outras razões, Paz na Terra entre os monstros continua sendo o meu único livro de contos, e não creio que publicarei outro enquanto viver. Pelo meu temperamento e pela forma como trabalho, a minha praia é mesmo o romance. Gosto de conviver com uma narrativa extensa por muito tempo, escrever e reescrever, pensar e repensar, montar e desmontar. Aprecio trabalhar com histórias assim longas, trilhar um determinado caminho com meus personagens, ver o mundo pelos olhos deles.

4—Percebo que seus livros possuem títulos muito certeiros, que despertam curiosidade no público. Você acha satisfatório o retorno da crítica em relação a sua produção, visto que você também exerce a mesma função? Com que grau de interesse você lê uma resenha de livro seu em um blog de leituras e a crítica literária num jornal ou revista?

Sim, acho bastante satisfatório o retorno crítico relativo à minha obra. Leio com o mesmo interesse as resenhas publicadas em blogs e o que sai nos jornais. Aliás, creio que alguns dos melhores críticos brasileiros estão pela internet. O trabalho que Sérgio Tavares faz no site A Nova Crítica, por exemplo, é excelente e tem chamado a atenção para vários escritores e escritoras que não encontram espaço na imprensa tradicional.

5—Você foi convidado a participar do projeto Amores expressos, da editora Companhia das Letras, que lhe incumbiu viajar até a cidade de São Paulo para redigir uma história de amor. O livro, Como desaparecer completamente, terminou sendo publicado pela editora Rocco. Este seria um dos seus romances mais fragmentados? O que fez você ter optado por outra editora, quando acredito que o título mais parece com o catálogo da que foi publicado?

Em Como desaparecer completamente, iniciei uma determinada estruturação que voltei a explorar em Terra de casas vazias (meu livro predileto, dentre os que escrevi) e Eufrates. Por outro lado, experimento um pouco mais em Como desaparecer completamente, recorrendo a outras formas de expressão (roteiro de cinema, blog, e-mails etc.). A Companhia se recusou a publicar o romance e a saudosa Vivian Wyler me acolheu de braços abertos na Rocco.

6—Recentemente você publicou Daniel está viajando, uma história de perda e solidão contada sob o ponto de vista de uma criança. Você é dos que defendem que as crianças precisam saber de temas difíceis, e isso me faz lembrar as personagens de Hoje está um dia morto que só tem o sexo como forma de expressão de seus sentimentos. A temática de seus outros livros dificultaram encontrar uma editora que topasse publicar seu primeiro infanto-juvenil?

Tive muitas dificuldades para publicar Daniel está viajando, pois o mercado é um tanto fragmentado e as editoras que procurei não pareciam dispostas a apostar em um livro infantil escrito por um novato nessa seara. Acho que o tema também não ajudou, mas eu acredito que não devam existir temas “proibidos”. Desde que seja tratado com cuidado, sem menosprezar a inteligência dos leitores, todo e qualquer tema é aceitável, por assim dizer. De fato, não é “chegar e publicar”, e a minha agente é muito importante quando chega a hora de lidar com as editoras, negociar contratos e tudo o mais. Não tenho muita paciência para lidar com essas coisas.

7—Sua companheira, Kelly Leones, contribui de alguma forma como leitora na escrita de seus rascunhos? Você disse em entrevista ao projeto Como eu escrevo do José Nunes, escritor também de Brasília, que não mostrava a ninguém antes de enviar para agentes e editores. Mostrar antes atrapalha de alguma forma as decisões do texto final?

Eu costumava mostrar para alguns amigos próximos, mas hoje não faço isso mais. As pessoas são muito ocupadas e, embora ninguém tenha reclamado, comecei a achar que estava incomodando. Kelly lê alguns trechos dos meus projetos, e eu sempre converso com ela a respeito das ideias que me ocorrem. As sugestões dela são sempre certeiras. Às vezes, quando estou indeciso ou inseguro em relação a algum detalhe, converso com ela a respeito, e isso me ajuda bastante. Escrever um romance demanda muito tempo (levo, em média, dois anos; às vezes mais, às vezes menos), e é difícil manter o foco e a concentração. Kelly também me ajuda a não esmorecer.

8—A escritora Luisa Geisler ganhou duas vezes o prêmio Sesc que lhes divulgou, primeiro na categoria conto e posteriormente na de romance. Tão produtivo e genial quanto Luisa, você alguma outra vez se inscreveu no mesmo prêmio? E qual a sua relação com os mesmos, é mais cômodo concorrer depois que o livro já está publicado, facilitando saber a coerência da comissão julgadora?

Nunca me inscrevi no mesmo prêmio mais de uma vez. Desde que ganhei o Prêmio Sesc, os editores só inscrevem meus livros nos prêmios para obras já publicadas, como o Jabuti, o São Paulo e o Oceanos. Embora já tenha sido finalista em um ou dois deles, ainda não cheguei a ganhar nenhum desses prêmios. Por certo, além de ajudar bastante na divulgação das obras, a grana seria muito bem-vinda. Também já fui jurado em uma dessas premiações, e posso dizer que, pela minha experiência, não houve conchavos ou nada do tipo. Todo o processo transcorreu sem quaisquer interferências externas ou problemas de qualquer espécie.

9—O filme Dias vazios, de Robney Bruno, é baseado em seu romance de estréia. De toda forma, a linguagem do seu livro é também muito cinematográfica. Seu roteiro inacabado na época se tornou posteriormente seu livro inscrito no prêmio em 2005?

Sim, Hoje está um dia morto nasceu como um roteiro que escrevi quando estudava Cinema. Como dificilmente conseguiria viabilizar o filme, peguei o roteiro e transformei no romance que, em 2005, foi inscrito no Prêmio Sesc de Literatura. O livro ficou bem diferente do roteiro. Este era uma narrativa mais “clássica” e linear sobre um dia na vida de um casal de jovens. Quando o transformei em literatura, deixei a imaginação correr solta, criei mais personagens e investi em uma estruturação metalinguística.

10—Quais são seus próximos projetos de escrita, leituras e adaptações, sabendo que você sempre está criando novos personagens e tramas, comentando e aguardando também seus autores prediletos?

Estou desenvolvendo um projeto de um novo romance. Ele ainda está numa fase embrionária, e é provável que eu não o termine antes de 2021. É uma continuação de Abaixo do Paraíso, romance que publiquei em 2016 pela Rocco; retomo certos personagens e situações. Dada a tragédia política em curso, senti necessidade de voltar a esse mundo povoado por corruptos, assassinos e bandidos. Nesse sentido, é uma reação ao que ocorre no Brasil. Se eu encontrar o tom adequado (não quero escrever um panfleto ou coisa parecida), será o meu próximo romance. 



André de Leones (Goiânia, 1980) é autor dos romances Eufrates (José Olympio), Abaixo do Paraíso (Rocco), Terra de casas vazias (Rocco) e Hoje está um dia morto (Record), entre outros livros. É graduado em Filosofia e vive em São Paulo. Página pessoal: andredeleones.com.br



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João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.