Como funciona o pensamento bolsonarista: genealogia das formas primitivas de um populismo místico


por Zeca Viana__

Behemoth and Leviathan, de William Blake



A grande dificuldade daquele que se diz "bolsonarista" é a de enfrentar a realidade. Eles não conseguem olhar os fatos como qualquer pessoa comum que analisa, pondera, pensa, critica ou aplaude fatos e decisões. Não. Para um bolsonarista as forças sociais e políticas estão em eterna conspiração contra o próprio Bolsonaro (que encarna o mito do conservadorismo olavista) sob a forma de um "comunismo global", ou "globalismo" aos termos de Olavo de Carvalho. Aliás, Olavo de Carvalho não é um autor difícil de ler, pelo contrário, é extremamente simples pois é binário: Behemoth x Leviatã. Ou seja, o coletivismo (comunismo) x individualismo (conservadorismo olavista) tão bem representado pela ilustração de William Blake. Ou seja, é um binarismo baseado em arquétipos. Aquele que se diz "bolsonarista" não pode criticar o mito, caso o faça, se sentirá um traidor comunista para si mesmo. É um sintoma psicológico, mas antes de tudo, físico: só de pensar que o mito está errado, sente calafrios, tonturas, afinal, estaria se tornando comunista?! Chamo isso de "síndrome de Gregor Samsa"; o bolsonarista se tornou um inseto, mas não aceita a realidade. 

Para o bolsonarista o mundo só funciona em dois pólos: bolsonaristas x comunistas. Não existe outra opção. Não existe outro caminho. A multiplicidade da realidade é resumida em apenas duas possibilidades; ou é uma coisa, ou é outra coisa. Isso se chama pensamento binário, ou ainda, pensamento mágico. Bolsonaro tem que estar 100% certo o tempo todo: afinal, Bolsonaro tem razão. No campo da mitologia, um mito serve para explicar o mundo de forma pré-epistemológica; ou seja, o mito funciona no campo da opinião (doxa) não-científica. Analogicamente Bolsonaro age exatamente como um mito: ele "acha" que o óleo é venezuelano, ele "acha" que é uma gripezinha, ela "acha" que a cloroquina é a cura para o vírus, etc. Por isso o bolsonarismo é necessariamente anti-ciência. Essa é a forma lógica de uma seita mística onde existe um líder (ou casta espiritual aos moldes olavistas) que está acima do bem e do mal. Vão dizer que Teich é comunista, globalista, desmoralizá-lo, etc. Teich, mesmo sendo um "empresário da saúde", é um médico. Ou seja: é um inimigo pois está, minimamente, do lado da ciência.

O bolsonarismo vai acabar de uma forma triste, muito triste para o Brasil. Prefiro não me alongar nisso, mas o bolsonarismo prevê dias muito obscuros para nós brasileiros. Isso não tem nada a ver com patriotismo, com cristianismo, com o conservadorismo clássico, etc. O bolsonarismo é a regressão para os sentimentos mais primitivos: o bem versus o mal. Behemoth x Leviatã. E é justamente essa a forma mais populista de adesão, afinal, ninguém quer estar do "lado do mal", contra Bolsonaro, pois este encarna o "bem". Triste fim para nós, "zoon politikon", como diria Aristóteles, animais políticos das cavernas.

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Zeca Viana é Mestre em Sociologia (UFPE), bacharel e licenciado em Filosofia (UFPE). Professor, pesquisador, músico, produtor e apresentador do programa Recife Lo-Fi na Frei Caneca 101.5 FM.
Foto: Kamila Ataíde