O Cinema pegou minha mão e me levou por muitos caminhos | Lana Benigno


por Taciana Oliveira__



Conversei com Lana Benigno, artista que transita nos diversos gêneros artísticos: cinema, teatro e artes plásticas. Lana tece uma costura sobre fatos da sua vida profissional e em seu rico depoimento nos ensina: A vida é muito difícil de ser vivida e vai nos quebrando em pedacinhos. O que pede pra gente encontrar maneiras de se colar e voltar inteira
Faculdade de Moda é um mundo!
A costura é uma atividade que conheço bem. Desde dormir no quarto de costura ouvindo a máquina ao prazer de escolher e dar identidade a tudo que nos cobre. O pano, as linhas carretilhas, tingimentos são coisas que manipulei muito antes de pensar em ser artista. Fiz a Faculdade de Moda, e lá voltei a praticar coisas que  já conhecia. Aprendi coisas que eu sempre quis saber: história da arte, indumentária, desenhos, pinturas, enfim. A Faculdade de Moda é um mundo! Foi aí que entrei como bolsista do MAUC – Museu de arte da UFC, e acabei me especializando na técnica e pesquisa.
No Cinema exercito tudo que já havia aprendido na vida
Por outro lado comecei a fazer figurino no Teatro. Isso me levou ao Cinema como estagiaria de figurino, depois assistente de arte, figurinista, cenógrafa, diretora de arte. No Cinema exercito tudo que já havia aprendido na vida, não só as informações curriculares, mas as pequenas coisas da vida. Como fiz muitas produções de locação, e assim convivendo com a variedade da cultura brasileira, e por vezes estrangeira, pude absorver muitos conhecimentos que não se acham em livros.
Em todos os filmes que participei fui responsável pelo Setor da Arte, que está vinculado a direção de arte, que tem a ver com a humanização, pintura de arte, o envelhecimento. Se a cena é de alguém limpando o balcão essa sujeira é da arte, se o cenário é uma casa de Fazenda de Seringal do começo do século XX, como em A Selva, longa português, as esteiras que revestem o teto as almofadas do sofá, as comidas fakes da cena de cozinha são da arte. Se é um filme como Anita e Garibaldi, que tem embarcações de época, a Arte recebe a escuna alterada pelo estaleiro e descasca toda pintura, e deve dar todo aspecto de madeira velha e em contato com mar, como cracas e colocar as gorduras e graxas nos cordames. Quando Anita sobe no convés, o figurino deve trazer manchas desse local.
Além do meu trabalho como Cenógrafa, Figurinista ou Diretora de Arte, ou mesmo quando era assistente, essa era uma função que exercia. Pintei muito muro, estampei muita parede, fiz desde pipa até pintar banana verde de amarelo pra parecer madura.

O Cinema pegou minha mão e me levou por muitos caminhos
Cada filme tem sua história e sempre são imprevisíveis. O Cinema pegou minha mão e me levou por muitos caminhos. Fui chamada para muitas produções pela minha especialização com as artesanias populares. Foi assim que cheguei a um dos trabalhos mais importantes da minha vida: coordenar o ateliê de réplicas das obras de Arthur Bispo do Rosário para serem usadas na cenografia do filme O Senhor do Labirinto, que contava a história do artista. Assinei também a cenografia e trabalhei também como responsável da Arte. Por exemplo: a sala do bolo, onde os loucos são guardados quando chegam no hospício, eu e minha equipe demos uma cara de parede a tapadeira de madeira móvel, pintamos, destruímos paredes, modelamos fezes de todas as formas com argila e instalamos na cenografia e nos personagens da cena.

A vida é muito difícil de ser vivida e vai nos quebrando em pedacinhos. O que pede pra gente encontrar maneiras de se colar e voltar inteira
O encontro com o trabalho do Bispo não foi só transformador pela obra em si, mas também pela maneira como a executamos. Pela manhã eu estava numa reunião na sede do Governo de Sergipe (o trabalho foi feito nesse Estado) com governador, primeira – dama e secretários. Em seguida ia me encontrar com os presidiários de regime semi- aberto e trabalhadores locais, para montarmos os cenários. E depois era a vez dos museólogos, e cooperativas de rendeiras, técnicos de cinema, universitários, e moradores da cidade.
Enquanto o Bispo teve 50 anos pra montar o seu acervo, eu precisei ampliar a execução desse trabalho pra atingir a maior quantidade de colaboradores possível e respeitar o prazo de produção. Foi um trabalho hercúleo, mas extremamente compensador. Com ele descobri a razão de se fazer arte: a restauração. A vida é muito difícil de ser vivida e vai nos quebrando em pedacinhos. O que pede pra gente encontrar maneiras de se colar e voltar inteira. O Bispo me ensinou isso.



Sou uma artista antes e depois do meu encontro com Bispo do Rosário.
Arte pra mim, hoje em dia, além de ser minha profissão e carregar todos os valores dela, é meu colo gostoso que me faz forte e entusiasmada com a vida. Sou uma artista antes e depois do meu encontro com Bispo do Rosário. E com meu trabalho tento dividir esse conhecimento e afeto com os outros.
Minha casa é meu ateliê. Sou casada com um artista que me ensinou tudo do cinema e dividiu comigo o mundo da arte: Sérgio Silveira, Diretor de Arte de Cinema.
Com ele vivi e vivo várias aventuras, mesmo que seja apenas fazer uma torta de maçã.  

Conheçam algumas das criações de Lana no site da artista: clica aqui


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Lana Patrícia Benigno, graduada no curso de Estilismo e Moda da UFC, artista plástica, figurinista, cenógrafa e diretora de arte, trabalhou em mais de 20 produções cinematográficas nacionais e internacionais, recebendo Prêmios de Melhor Direção de Arte como no Festival Ibero americano Cine Ceará nas edições de 2006 e 2008. Dentre os filmes que participou: “A Selva” de Leonel Vieira, produção Luso-Espanhola, “O Eclipse” de Herbert Brödl, Produção Alemã onde além de assinar a cenografia reproduziu obras do artista plástico expressionista abstrato Arnulf Rainer, ambos os filmes na Amazônia; “Anita – Uma vita per Garibaldi” de Aurélio Grimaldi e “Anita e Garibaldi” de Alberto Rondalli, Produções Italianas em Sta. Catarina; “Garrincha- Estrela Solitária” de Milton Alencar, Mulheres do Brasil de Malu de Martino, “Siri Ará” e “Notícias do Fim do Mundo” de Rosemberg Cariry e “O Grão”, “Mãe e Filha e “O Barco” de Petrus Cariry. Sendo responsável pelas oficinas de artesanias e pintura de Arte em todos os filmes, onde aprofundou seus conhecimentos na cultura popular brasileira. Em Sergipe, no longa “Arthur Bispo do Rosario – Senhor do Labirinto” de Geraldo Motta, foram 2 anos e meio de oficinas levantando o acervo de réplicas desse artista junto a cooperativas de bordadeiras, presidiários, designers, universitários, artistas, entre tantos. Expôs trabalhos na Galeria Yazigi em Aracaju-Se, “Exposição Desencontrários” (2009), na Galeria Pagliuca (2014), no Dragão do Mar no Festival de Cinema For Rainbow(2016), Mostra individual Gente de Pano no Shopping Benfica (2019), exposição coletiva Diversidades , Galeria Vicente Leite (2018), Mostra Novos Olhares para Monalisa  (20 8/2019), exposição coletiva Arte Textil na casa Bendita (2019). Nos últimos 20 anos ministra cursos de figurino, cenografia e Direção de Arte (Unifor, Porto Iracema, Instituto Dragão do Mar, curso itinerantes da Funarte, escolas e festivais de cinema), assim como oficinas de artes manuais. Desenvolve e comercializa no próprio ateliê sua coleção Gente de Pano, pinturas, assemblagens e bordados.
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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.