Bordeline, Rebeca Gadelha

 

por Rebeca Gadelha__


Ilustração: Rebeca Gadelha

Os sintomas começaram aos 13 anos, embora na época não chamassem de transtorno, simplesmente de puberdade (problemas com identidade? Medo de abandono? Humor inconstante e emoções exageradas e extremas? Ora, só mais um dia na vida de uma garota adolescente) e somente quando a bendita já deveria ter passado há muito foi que os médicos pensaram que poderia ser problema. A primeira a dar a bandeira vermelha foi a psicóloga com a frase “acho que devia ver um psiquiatra”. O segundo que deveria ter dado algum alerta era eleo próprio psiquiatraque se contentou em passar fluoxetina e escrever “ TAG” (transtorno de ansiedade generalizada) no diagnóstico, os CIDs ainda não eram prática comum, podia-se descobrir muito apenas sabendo como xeretar as anotações alheias: não que médicos façam questão de esconder, para eles lhes bastam suas letras hieroglíficas. Certa vez a doutora precisou sair da sala, batidas na porta, caso urgente, dê licença, por favor. Em meio segundo já tinha fotografado as duas páginas e meia sobre mim, quando ela voltou, estava mexendo no celular com ar de tédiocomo todo ser humano com smartphone faz. Na volta para casa ri sozinha das anotações, mesmo já não lembrando de nada do que estava escrito, lembro de pensar que não era à toa que os remédios não estavam fazendo efeito: acho que ela não tinha entendido, mas pensando bem, naquela época nem eu ainda. O que me parece ser um hábito (ou talvez sintoma) de muitas pessoas com BPD ou doenças mentais (e talvez até entre as pessoas, estes outros que são afortunados o bastante para não ter seus problemas transformados em transtornos) é a crença de que se conseguirmos X, imediatamente a doença irá desaparecer e tudo ficará magicamente bem. Há um tempo meu X era o diploma da faculdade, depois passou a ser um trabalho (daqueles que a gente ganha bem e ainda tem tempo para viver), depois foi só o trabalho e daí o tratamento. “Se tomar X comprimido de manhã e Y a noite vou ficar bem” como se fosse um resfriado. O fato é que demorou alguns bons anos para entender que seja o que for que tenho, ele não vai a lugar algum: não tem fórmula mágica, não é algo que o amor da minha vida ou meu emprego dos sonhos mude. Meu transtorno vai estar aqui— e provavelmente estará a vida toda— tudo que posso fazer é aprender a conviver com ele. Claro que a medicação certa e o acompanhamento psicológico fizeram toda a diferença (hoje sei que só porque meu namorado me diz que vai sair com os amigos isso não significa que ele esteja perdendo interesse em mim), mas ao invés de viver na incerteza de “quando” o transtorno irá sumir (como se fosse um truque de mágica), vivo com a certeza de que ele está aqui e que sim, vou ter de lidar com ele e estarei fazendo isso o melhor que posso, sempre.

 

 




Rebeca Gadelha
é otaku, gamer e artista digital. Formada em geografia pela Universidade Federal do Ceará, tem um fraco por criaturas peludas e gorduchas. Trabalha com edição de vídeo do Literatura & Libras (@literaturalibras), diagramação de livros e na organização de projetos literários no Selo Mirada. "Reminiscências" (Selo Mirada, 2020) é o seu primeiro livro.