por André Luiz Pinto___
Prazer, esse sou eu
filho de doméstica
numa época em que
patrões cismavam
em chamar de filhas
as mucamas. Eu
criado numa mansão
da Barra, obrigado a amar
patrões como avós
sem direito de herança.
Uma coisa aprendi:
a ler livros e a me irritar
com facilidade – lá, onde
o sinal está vermelho
e sempre acabo errando
a baliza – onde ninguém
divide nada, quando
até quem te chamou de sobrinho
diz um dia: a casa é nossa
deves partir. Tá bom, disse.
Só me dá duas semanas.
Retorno
Olhe a tua volta: as raízes
das árvores foram arrancadas
até não sobrar nada.
Nem o silêncio que tilintava
das folhas, na laguna de uma poça
a fauna microscópica não sobrou.
Olhe a tua volta. Silêncio
do rumorejo das águas a preamar.
Olhe ao redor: tudo explode
no mesmo lugar, não há razão
para certezas, o mundo está em greve.
Olhe mais um pouco, contemple
o relicário de um ovo, nunca pergunte
haverá misericórdia? Olhe, peço de novo,
aquele ovo, a brisa te envenena
acariciando os cabelos. Olhe, na hora
do martírio, as contorções do corpo.
Olhe bem de perto, você aguenta.
___________
A miséria começa em casa,
com seus filhos, a lamúria cega mas certa
de seu pai, o tiroteio marca os valentes,
o vento caudaloso nos adoça. É podre, talvez
áspero, saber que alguém veio aqui;
bato palmas, você não sabe o que escreve,
pensa que a imaginação decifra a dor,
mas ela não decifra; você, que nem devia
ter pensado, agora é assim:
poetas sobem os morros, fazem suas pesquisas.
Acham que a vida rude lhes inspira
como nos cardápios escritos com giz
ou pombos que mastigam num despacho
um pedaço de galinha (tudo é canibal,
faz parte da cultura, é matinal
sangrar na latrina, enquanto
do alto dos edifícios, ao som
do baile quente, ainda se decide,
no pé de uma fogueira,
o preço de uma vida)
Direção de Alberto Pucheu
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André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC-RJ. Casado com Cristina da Silva Melo, é pai de Tales Melo da Rocha.