Difícil parir palavras. Mas difícil ainda ficar com elas dentro

 

por Rebeca Gadelha e Taciana Oliveira___

 



Entrevistamos a escritora cearense Vanessa Passos. Na pauta o lançamento do seu novo livro, “A filha primitiva”, concorrente do Prêmio Kindle de Literatura de 2021.

 

1 - Em "A mulher mais amada do mundo" você nos apresenta um livro de contos sobre a diversidade e pluralidade do feminino, já “A filha primitiva" traz a história de três gerações de mulheres com todas as suas divergências e diferenças. Qual a distinção na abordagem sobre o mundo feminino em "A mulher mais amada do mundo” e “A filha primitiva”?

 

Em "A mulher mais amada do mundo", os contos trazem as mais diversas histórias com personagens femininas, abordando questões de gênero, raça e classe. Em "A filha primitiva", essas questões são retomadas de algum modo, mas como se trata de uma narrativa longa eu pude me aprofundar em temas que estão presentes na minha literatura, como a maternidade e o racismo, além da ancestralidade que permeia a história dessas personagens: avó, mãe e filha, que não são nomeadas no livro.

 

2 - Considerando que, no seu romance “A Filha Primitiva”, você expõe questões como ancestralidade, racismo, a condição social da mulher negra, como você vê as recentes manifestações e movimentos que buscam ressignificar a história da mulher dentro da luta pela igualdade de gênero?

 

São movimentos extremamente necessários. Diversas conquistas só foram alcançadas por meio de luta e manifestações. A diplomacia nem sempre funciona. Às vezes, é preciso gritar para ser ouvida. Que gritemos nós mulheres, então!

 

3 - Estima-se que a cada 11 minutos uma mulher seja estuprada no Brasil. Como é abordar um tema tão sensível e ainda tão negligenciado pela sociedade?

 

Não é fácil. Essa é uma das razões pela qual passei quatro anos trabalhando neste romance. Tocar nas dores de tantas mulheres, inclusive, nas minhas próprias foi um desafio. Um exercício de alteridade. Algumas cenas demoraram para serem escritas e foram reescritas diversas vezes. O romance teve 11 versões até ir pro mundo. Um tema difícil de digerir, um tema tabu, evitado, negligenciado. Mas eu sei que não há nada mais sufocante do que o silêncio. Como a própria narradora-personagem diz: "difícil parir palavras. Mas difícil ainda ficar com elas dentro"

 

4 - Quando e como foi o momento em que você se percebeu como escritora e como seu ofício hoje te ajuda (ou não) a ressignificar sua história e a história de outras pessoas?

 

Eu passei a levar a sério minha jornada como escritora assim que entrei na Universidade Federal do Ceará (UFC) para o curso de Letras, em 2010. Eu me dei conta de que estava mais feliz por poder voltar a escrever do que propriamente por ter passado na universidade (risos). Naquele momento, fiz uma promessa de que nunca mais deixaria de escrever. A escrita para mim transita no campo da ficção e da realidade. Meus textos são muito realistas, com uma linguagem forte e crua. Utilizo muito o recurso da memória no meu processo de criação literária. Escrever é também olhar para dentro, é parir palavras grávidas. Elas vem desse movimento de dentro para fora e vice-versa.

 

5 - Escrever é uma construção e - dizem - que, para ser escritor é preciso, antes de tudo, ler - e ler muito. Quais as suas influências literárias, que autoras você considera importantes na sua formação?

 

Minha formação como leitora e escritora é rodeada por mulheres incríveis. Clarice Lispector e Virginia Woolf estão na minha estante há um bom tempo - sempre lendo e relendo. Quanto a escritoras contemporâneas, quero mencionar em especial três escritoras que estão constantemente nas minhas leituras e que participaram também da leitura e textos para o meu romance "A filha primitiva". São elas: Carola Saavedra, Giovana Madalosso e Natalia Timerman. O que posso dizer dessas três mulheres, escritoras e mães? Elas me inspiram na escrita e na vida. Leiam tudo o que elas escrevem: textos ficcionais, ensaios e entrevistas. É sempre um constante aprendizado.

 

6 - Como acontece o processo de composição e estruturação narrativa dos teus livros?

 

Meus livros nascem de uma inquietação fixa e obsessiva que nasce em mim. A história fica maturando dentro como raiz na terra. Ninguém vê, mas a história está aqui nascendo, sempre de dentro para fora. Essa maturação envolve planejamento, pesquisa e entrega - muita entrega. Depois, quando a história fincou raízes, começo efetivamente a escrever. Eu me comprometo com a história num relacionamento amoroso, como bem fala Rainer Maria Rilke em "cartas a um jovem poeta". Eu fico presa ao livro até terminar a primeira versão. Em seguida, passo para o processo de incansáveis revisões. É o momento de cortar palavras e eu adoro. Sempre acho que menos é mais. Dizem que minha narrativa é curta, mas está sempre pronta para dar um soco no estômago do leitor (risos).






 

Vanessa Passos é escritora, professora de escrita criativa, consultora literária, pesquisadora, produtora cultural e mediadora de leitura. É Doutoranda em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Teve textos vencedores em diversos concursos literários e participação em várias antologias. É autora dos livros “Manual de estilo e criação literária” com a artesã Lygia Bojunga e Fábrica de histórias. É idealizadora do Programa Formação de Escritores, fundadora do Pintura das Palavras, criou o curso 321escreva (curso online de escrita), dá consultoria literária e promove eventos literários. O Pintura das Palavras hoje já alcança mais de 12.000 pessoas nas redes sociais, aspirantes a escritores.  Escreveu “A mulher mais amada do mundo” e “A filha primitiva”.



 


Rebeca Gadelha é otaku, gamer e artista digital. Formada em geografia pela Universidade Federal do Ceará, tem um fraco por criaturas peludas e gorduchas. Trabalha com edição de vídeo do Literatura & Libras (@literaturalibras), diagramação de livros e na organização de projetos literários no Selo Mirada. "Reminiscências" (Selo Mirada, 2020) é o seu primeiro livro.

 







Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.