A balada dos fantasmas, Rebeca Gadelha

por Rebeca Gadelha__


Foto: Anastasia Taioglou


Ela guardou os espectros no armário e trancou-os fazendo o sinal da cruz. Deixou-os lá, pois não podia mais carregá-los, o peso curvava-lhe demais as costas, não a deixava caminhar — então ela percebeu, em parte pesarosa, em parte aliviada, que chegara a hora de deixá-los — também percebeu que não conseguiria, nem poderia, jogá-los fora, então deixou-os ali, onde não poderia mais vê-los, onde o peso curvaria apenas as tábuas de madeira e não mais suas costas que, com o tempo, também não mais doeriam e suas pernas não mais falhariam, com o tempo, quem sabe, até os passos se tornassem mais rápidos, leves, precisos. Porém, as noites vieram e os fantasmas se remexeram inquietos — e o barulho não a deixava dormir; então tirou o armário do quarto e, a duras penas, o levou até um quarto vazio e esquecido e o deixou lá, a porta mais uma vez trancada. Foi então que os fantasmas começaram a uivar e suas vozes ecoaram pelo quarto vazio e reverberaram por toda a casa, cada cômodo abrigando sua própria sinfonia sobrenatural noite adentro. Ela pensou que seria questão de tempo até que eles se cansassem, logo desistiriam, mas os mortos não cansam, mortos não precisam de nada — e os ecos simplesmente continuaram. Ela já não dormia e, mesmo quando saía de casa, jurava que ainda podia ouví-los, os mesmos uivos incessantes agora preenchendo as paredes de sua mente, sem lugar para ir, ela foi até o mar, a princípio só queria que as ondas abafassem o som, mas a príncipio não conseguiu sequer ouví-las; então se aproximou mais e mais da água, o corpo sacudido para lá e para cá por ondas inaudíveis — e ela adentrou no mar mais e mais — até que seus pés não conseguiam mais tocar o chão, sobre a cabeça, a água que lhe inundava os ouvidos finalmente abafou os gritos — e levada pela imensidão azul, ela ficou em paz.

 




Rebeca Gadelha
é otaku, gamer e artista digital. Formada em geografia pela Universidade Federal do Ceará, tem um fraco por criaturas peludas e gorduchas. Trabalha com edição de vídeo do Literatura & Libras (@literaturalibras), diagramação de livros e na organização de projetos literários no Selo Mirada. "Reminiscências" (Selo Mirada, 2020) é o seu primeiro livro.