Dois poemas de Ericson Pires

 por Taciana Oliveira__


Jr Korpa



tecido pele

 

para Paulo Fichtner

 

ali naquela porta parado aponta fio que leva

pulso de boca aberta dentes frisos alerta

abre a palma da porta a mão fino revela

pode com força parar o gesto a crosta a quimera

 

não há um úmido único lugar que separe o fio da navalha

 

ainda que não entre já foi risco correndo na fresta

o olho pisca farol pequenos jogos de memória

a cinta irrompe ar com volúpia beijando flores

cabelo inerte de pé trazendo ácidos odores

 

simples e necessário rasgar a roupa do dia

 

além só existe o músculo livre safo encontro

parir a pane do mesmo rompendo placa parte parada

no movimento mergulha guerrilha fronte fio brilha

o laço existe para cortar o que corta e o que é cortado

 

desato fino fluído escorro fátuo fio

porta agora fecha final série que segue

corpo ainda tecido ata caminho na pele

desenho vivaz fulgura no tempo instante que é

corpo cinge rasura ataca mistura campo de tudo emerge

 

a sina é vida de pele tecida no tempo

a porta cede sede aberta



canto xi

 

Caminho sobre o fio.

Não esqueço onde estou.

Sua mão brilha.

Eu sei o que ela quer. Aponte para mim.

Me toque.

 

Conte aquela história.

Me diga alguma coisa.

Existem tantas coisas que quero saber.

Conte aquela antiga história.

Me esqueça.

 

Preciso te ouvir.

 

Hoje será um dia perfeito...

 

Sigo as calçadas. Ruas.

Desenho minhas miragens.

Mil rotas avançam sobre mim.

Mil plantas são riscadas.

Mil milhas serão ultrapassadas.

 

Tudo isso não passará de um deserto.

Hoje será um dia perfeito...

Grite aquele velho slogan.

 

Repita seu som.

O último acorde não será tocado.

O último acorde não poderá, não deverá ser esquecido.

O último acorde é você.

 

Caminho sobre o fio. Escuto o adágio.

A voz daquele velho poeta.

Não esqueço onde estou.

Assisti a todas as lembranças.

 

A noite é curta.

 

Hoje será um dia perfeito...

Caminho sobre o fio. O fio sou eu.

Me toque.

O último acorde sou eu.

Hoje será um dia perfeito...





*poemas do livro "Pele Tecido", de Ericson Pires (7Letras, 2010)




Ericson Siqueira Pires (Rio de Janeiro, 30 de maio de 1971 - Rio de Janeiro, 17 de março de 2012). Poeta, performer, professor universitário. Foi fundador do CEP 20000 (Centro de Experimentação Poética), Corujão da Poesia, Cambralha, FalaPalavra, Grupo Hapax, Banda LapTop Violão e ParadaPalavra. Também foi editor da Revista Global Brasil e militante da Rede Universidade Nômade. Doutor em Estudos de Literatura pela Puc-Rio, foi Professor do Instituto de Artes da UERJ e participou do PACC (Programa Avançado de Cultura Contemporânea) da ECO-UFRJ. Participou do programa Oncotó da TV Brasil. Publicou Cinema Garganta, em 2002; Zé Celso e a Oficina-Uzyna de Corpos, em 2005; Cidade Ocupada, em 2007 e Pele Tecido em 2010. Fonte: clica aqui