Preso na gaiola: a criminalização do funk carioca nas páginas do JB (1990-1999)

 por Iaranda Barbosa__

 


Não é novidade que há séculos expressões artísticas, culturais e religiosas advindas do povo preto sofrem repressões, perseguições, demonizações, criminalizações, tentativas de extinção, apagamento e silenciamento. Assim aconteceu (e ainda acontece) com a capoeira, o samba, o afoxé, as religiões de matrizes africanas. Assim acontece com o funk, movimento estudado por Juliana Bragança, cuja dissertação de mestrado deu origem ao livro Preso na gaiola: a criminalização do funk carioca nas páginas do Jornal do Brasil (1990-1999).

 

A escritora esteve pautada em cartas de leitores enviadas para o Jornal do Brasil, nas quais as opiniões variavam entre o apoio, a neutralidade e a rejeição ao movimento funk. Tais objetos de estudo foram classificados em conteúdos com ocorrências medianas, positivas e negativas.

 

O livro de Juliana Bragança é importante e necessário para que possamos compreender de uma forma mais abrangente como a mídia promoveu (e ainda promove) uma relação entre os arrastões e os funkeiros com o propósito de marginalizá-los. Há reforços de estereótipos, inserindo em um mesmo campo semântico os termos: arrastões, funkeiro, bandido, pobre, favelado, suburbano, traficante, sequestrador.

 

Entretanto, a obra buscou desmistificar muitos desses pensamentos, ao realizar uma explanação sobre, por exemplo, as vertentes do funk carioca e as diferenças entre os tipos de funk e de bailes. A seriedade da abordagem acadêmica nos impulsiona a compreender melhor o movimento e, como a própria autora sinaliza, as três ondas criminalizantes do funk, perpassadas pela glamourização, pela violência policial e pela repressão policial, midiática, social e jurídica.

 

As informações históricas se associam às estatísticas e revelam um panorama no qual a luta de classes se faz presente. Contudo, houve resultados positivos relacionados ao movimento:

 

 

Nesse conturbado contexto, envolvendo sequestro, tráfico de drogas e CPI é que foi elaborada a primeira lei que dizia respeito especificamente ao movimento funk. A Lei Municipal da cidade do Rio de Janeiro n° 2.518, de 2 de dezembro de 1996 (resultante do projeto de Lei n° 1.058/95) de autora do então vereador Antonio Pitanga (casado com Benedita da Silva), legitimou os bailes funk como atividade cultural de caráter popular, competindo legalmente ao poder público assegurar a realização das festas (BRAGANÇA, 2020, p. 110).

 

 

Vale a pena ressaltar que, embora haja um respaldo jurídico, pelo menos na cidade do Rio de Janeiro, para a existência do funk, não necessariamente a lei é cumprida, haja vista os diversos casos de violência e repressão dos bailes funk e que ganham força, infelizmente, devido às imagens negativas há tempos cristalizadas em nosso imaginário.

 

Além disso, é necessário não perder de vista que o funk é uma expressão artística e cultural extremamente lucrativa, porém os grandes volumes de dinheiro quase nunca chegam às mãos dos DJ, MC, cantores, profissionais da dança e tantos outros artistas da favela e das comunidades carentes que não apenas compõem, cantam e interpretam o ritmo, mas, sobretudo, vivenciam a realidade retratada nas letras.

 

Existe, portanto, a necessidade de furar a bolha repleta de estereótipos, pensamentos estigmatizados, informações deturpadas, termos pejorativos e versões mal elaboradas sobre o movimento funk. Preso na gaiola é uma ferramenta importante para a desconstrução dessas imagens e precisa cada vez mais discutido dentro e fora da academia.

 




Juliana Bragança é historiadora, graduada pela Universidade Veiga de Almeida, e mestra em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente, é professora efetiva do Estado da Bahia, e tem ampla experiência no ensino básico e também no ensino superior. Fonte: JB

 



Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária. É um das organizadoras da coletânea Artemísias: Vozes de libertação (Selo Mirada)