Janeiro, calor e poeira | Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__

 




8:40 da manhã em Fortaleza. Um calor de meio-dia. Mas jurei que não ia reclamar do calor. Cheguei do inverno alemão faz poucos dias e lá vivia reclamando do frio. Então vou responder com um sorriso a esse sol desgraçado. Uma gota de suor percorre minha perna, enquanto eu corro pela casa perseguindo aranhas, formigas, embuás e bolas de cabelos misturados com poeira. Demorei 40 minutos só para varrer a cozinha. Qualquer criança veria que sou principiante no assunto. Mas o pior é a pá! Que perfeccionista não perderia o juízo com aquele restinho de sujeira que sempre fica ali no chão, formando uma linha quase perfeita, no lugar onde estava a borda da pá?

 

Mas finalmente terminei com a cozinha e agora estou na sala. Amarro o cabelo molhado e enxugo o rosto suado com a manga da camisa; mãos à obra! “Um prêmio para o inventor do aspirador de pó”, penso enquanto enfio a vassoura embaixo de um armário. No próximo instante solto o cabo e pulo para atrás: uma barata gigante saiu da sombra ao contra-ataque e avança rapidamente na minha direção. Enquanto recuo, lembro do meu pai com seu lema: “Esse bichinho tem mais medo de você do que você dele”. Me pergunto o que sabe ele sobre o medo das baratas. O gato da casa observa a cena desde o sofá, com a barriga cheia e sem intenções de intervir ao meu socorro. Parece estar sorrindo.

 

Em falta da ajuda do gato, chamo o cachorro. Ele entra prontamente pela porta do jardim e com dois pulos está do meu lado. Agora sim, a barata muda de rumo! “Ah, agora você vai ver!”, sorrio com uma satisfação malvada, enquanto observo o espetáculo. Mas a perseguição dura pouco e termina na frente da geladeira — para o cachorro; para a barata termina embaixo da geladeira. Contemplo o novo desenho de pelos pretos e pegadas de terra molhada sobre as lajotas brancas da cozinha. Guardo a vassoura e vou tomar banho — o terceiro do dia.

 

 


Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses “Quando a maré encher” (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora