Pretes que não é pobre, não é pretes, Luiz Mauro

 por Luiz Mauro__


...e o tempo vai passando, nada muda.

Arte @alexandrealexandrinoo












“As classes abastadas construíram um Brasil para si às custas de alijar da cidadania negros e pobres.

No reino encantado em que estão enclausuradas exercitam a auto-complacência

com a própria incompetência e reiteram o descompromisso com o país e o povo.”

Sueli Carneiro – citado in, @umaoutraopiniao/05/01.2022



Entendendo por pobre aquele que vive de salário e junta a família para pagar água, luz, mercado, prestação do carro, aluguel e vai... os outros pretes vivem na indigência física e mental. Não é pretes porque embranqueceu... teve que assimilar e assumir em si a ideologia euro-cristã-capitalista, heteronormativa... branca. Pra não sofrer, pra sobreviver, pra não morrer.


Pode falar, escrever, berrar ser "negro", antirracista... mentiroso.


Ele não é.


É um parecer ser, uma mera aparência.


Não é nada.


E o nada não existe...nós, os pretes, ainda estamos lutando e a caminho da libertação.


Duas palavras da moda na atual literatura sobre pretes que me incomodam: empoderamento e representatividade.


Empoderamento Pretes, para alguns, é chegar “lá” ...


Encontramos mulheres pretas empoderadas: na mídia, na literatura, no empreendedorismo, na política, no esporte... em tudo.

Também encontramos aquelas que conseguiram sair do julgo de seus companheiros... assumindo-se profissional, sexual e materialmente... ressurgindo.


É ótimo.


Ocorre que sempre é um empoderar para acender "socialmente...", ou seja, "chegar lá".


Lá, aonde?


Onde está a burguesia branca não crítica e os pretes embranquecidos, pseudos "donos" desse sistema perverso de uma sociedade doente.


Penso que empoderada é a mulher preta, lgbtqia+ ou não, que todo dia de manhã se apronta linda, maquiada, cheirosa (tudo a seu jeito e condições) e altiva vai à luta... no seu empreendimento, no escritório, no hospital, no seu ateliê fazer arte, na barraquinha de doces que ela mesma faz, na faxina - como só em ser neste país... na certeza que vai ganhar sua vida com consciência de quem somos: Pretes...


Não com a pretensão de "chegar lá".


O "lá" não existe para nós, Pretes. O “lá” tem dono... aos embranquecidos as migalhas.


A luta é pra inverter tudo isto. Saber que o "lá" deve ser de todes... não só de uma branquitude não crítica, burguesa e pretes embranquecidos.


O mesmo do homem preto, lgbtqia+ ou não, empoderado... jogador de futebol, cantor, escritor, influencer, político...   sempre na perspectiva do "chegar lá"... "Lá", aonde?


Penso que preto empoderado, lgbtqia+ ou não, é aquele que todo dia de manhã se torna bonito, cheiroso e altivo (com o que tem e pode) e vai à luta na sua sala de aula, no escritório, no seu empreendimento, na sua barraca de salgados que ele mesmo faz, pro seu ateliê fazer arte, na faxina - como só em ser neste país... Com a consciência de quem somos: Pretes.

Que esta sociedade que aí está - de branquitude não crítica e de pretes embranquecidos - doente e burguesa, não separe os Pretes.


Chegaremos juntes, não "lá", mas no LÁ, PARA TODES.


Há uma certa forçação de barra quando se fala em representatividade Pretes...


Se ter representatividade é me sentir representado e presente em todos os lugares de relevância na sociedade, nós pretes já chegamos lá:


- na TV temos atores e atriz, cantores... pretes.

- no jornalismo temos repórteres, apresentadores, comentaristas… pretes

- no esporte temos grandes figuras em cada modalidade...  pretes

- na política temos pretes, até ministro de governo, já tivemos um presidente STF... pretes

- na academia temos ótimos intelectuais... pretes.



Temos bons intelectuais pretes produzindo conhecimento que vem ao encontro das demandas do povo pretes. Quase não aparecem na grande mídia para serem vistos pelos representados.


Há pretes que passam pela academia, se titulam e saem; caem no gosto da grande mídia que os "capturam" para serem as novas representatividades pretes.


Parece-me que o conceito de representatividade tem ligação com as chamadas minorias, nem sempre quantitativa; deve servir - enquanto representa um coletivo e, este, formado de indivíduos únicos, com demandas únicas - de estímulo, espelho e força para que caminhem rumo a conquista de seus direitos básicos coletivos e individuais.


Nós pretes somos 56,2% da população; desses mais ou menos 75% são moradores das grandes periferias e favelas, de bairros centrais e populares... são trabalhadores informais, domésticos, o pessoal prestador de serviço, professores de escola pública (principalmente), bancários e profissões correlatas a uma "classe média baixa". Vivem de salário baixíssimo em relação ao trabalho que executam e horas trabalhadas.



Mas, se todos aqueles, citados acima, têm representatividade preta, quer dizer que posso chegar lá também!!! Eureka!!!


Não posso.


Nunca chegarei...



Embora pretes eles não representam a mim nem aos outros 75% da população pretes.


Representam, sim, o interesse de quem os contratou e seus aliados por espelhamento, simples assim...


Não falo como eles, não me visto como eles, não moro como eles, não usufruo do que eles apresentam na telinha. São construídos e preparados para nos mostrar tudo devemos consumir para chegar lá.


Chegar aonde? Pra quê?


Da parte deles, nenhum ataque frontal ao sistema que aí está... que mata pretes todos os dias, de tudo, até de tiro. Descrevem, comentam e até fazem críticas contundentes a respeito do racismo (que dizem a todo momento, que é estrutural) mas não propõem nada de efetivo que nos tire da mira da branquitude burguesa não crítica.


Nada que possibilite a transformação da estrutura capitalista: origem e fim de todo racismo.


Representatividade pretes tem o intelectual orgânico pretes... lá onde estão os pretes.


Representatividade pretes tem um que outro político pretes que briga pelo povo pretes.


Representatividade pretes têm as grandes lideranças e ativistas pretes... nos quilombos, nas favelas, nos bairros, nos movimentos por mordida, terra e outros.


Representatividade pretes têm os artistas pretes de todas as artes... que fazem de sua profissão um caminho de conscientização.


Representatividade pretes têm os professores pretes de todos os níveis e pessoal pretes da saúde popular... que lutam junto aos seus.


Representatividade pretes têm os grandes Babalorixás e Ialorixás dos Terreiros pretes... não embranquecidos. Resistem.


Estão na grande mídia para que eu possa vê-los e me espelhar? NÃO!!!


Na grande mídia estão as “Barbies e Kens” (aqueles bonecos que, há algum tempo, simplesmente pintavam de preto; hoje já trazem as feições pretas) construídos pelas grandes empresas de marketing: se sou um pretes inteligente, frequentei a academia ou passei por algum reality, tenho uma boa fala, tenho boa aparência (que seja assimilável e não ofenda a branquitude consumidora)... mais um bom banho de loja e voilà: Tem-se a nova ou novo representante do povo negro (nunca falam preto); depois basta um cursinho sobre o que podem ou não dizer.


Lá estão... na TV, internet (milhões de seguidores), Congresso, Editoras (vendendo coleções de auto ajuda). Não havendo verba, basta um Black Face. Todos servem ao mesmo Deus Capitalismo. A ele devem obediência.


Tem jeito não... (ou tem?)


Enquanto isso, tenho que comprar no supermercado que o ator pretes disse na TV que é bom e barato.


Vou lá...


É barato mesmo!!!


Só que persegue e mata pretes.


Tem-se que mexer "lá...", senão ficamos assistindo eternamente nossas "representatividades pretes" cantando e dançando nos rega bofes para saudar e reverenciar o deus capitalismo.


Capital para alguns ou capital para todes? Tem-se que escolher… Mas não é esse deus que é racista e nos mata? Tô entendo, não!!!


Tem-se, nesta sociedade que aí está, um punhado de pretes embranquecidos e pseudamente classe média endinheirada; digo pseudamente porque não são donos do capital... alguns empresários, artistas, esportistas, escritores, intelectuais e professores universitários. Formam uma bolha de pretes “muito bem de vida”. Nada fazem pra libertação do povo pretes. Seu compromisso é com o capital.


Há um samba de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro cujo título é: “O dia em que o morro descer e não for carnaval” ...  (???)


Nunca a polícia subiu tanto o morro e adentrou as periferias fazendo rios de sangue e lágrimas... todos os dias.


Essa bolha produz livros sobre pretes às dúzias, muita falação, muita “psicologia” barata.


Há séculos o povo pretes  beija a mão da branquitude não crítica, supremacista, racista, euro-cristã... a fim de “sobreviver" e ser “aceito”.


Há anos uma parcela da pretitude (os embranquecidos) assimila os valores capitalistas de uma sociedade doente (que mata por prazer) e frequenta os rega bofes da branquitude pensando ser “branca” ... é figura exótica, mico de circo para diversão da branquitude não crítica e alienada.


Nunca, nós Pretes, seremos aceitos com nossos valores e corporeidade. Chega de ilusão. Só interessamos se, obedientes, aceitamos seus valores “supremos”.


Alguns pseudos intelectuais pretes que aí estão, citam Abdias Nascimento, Fanon, Paulo Freire, Angela Davis, bell hooks... mas não os vivenciam. Citá-los com honestidade é PRÁXIS, do contrário é só ilustração... um verniz "intelectual".


Preto Velho e Coxo, que sou, não demente, consciente e na luta, há décadas... vejo que temos conquistado pouco ou nada. 133 anos de pseuda abolição, e nada mudou... Observem, reparem bem... só os métodos mudaram, às vezes nem isto.


Aqueles que dizem nos “representar” na grande mídia, na política, nos escritos e dão mil entrevistas, nada propõem de efetivo para a luta dos Pretes, que somos. Insinuam que como eles podemos chegar “lá”. “Lá”, aonde?


Estou pregando violência? Não. Quem a pratica são eles, a sociedade burguesa. Miguel. Jacarezinho. Salgueiro. Marielle... as mortes por apagamento, depressão, esculacho, não valoração e, até de tiro que acontecem hoje, nesse minuto... quando serão esclarecidas?

Nunca.


Continuamos escravizades. Os pretes embranquecidos, por terem tido acesso a uma parcela do capital (às vezes nem precisam disso) recebem, em troca de sua adesão aos valores da branquitude, as migalhas que o sistema que aí está lhes oferece... casas luxuosas, roupas de marca, frequentar a grande mídia, os rega bofes, carros reluzentes, “fama”, “prestígio” ... tudo condicionado a repetir o que eles determinam e não mexer, jamais, na coluna central que sustenta toda estrutura do racismo: o capitalismo.


Vale a pena? É vida?


Sou um Preto Velho e Coxo, ando devagar, observo muito... meu compromisso é outro!!


“Defendo mudanças revolucionárias, o fim da exploração capitalista, a abolição das políticas racistas, a erradicação do sexismo e a eliminação de repressão política. Se isso é crime, sou totalmente culpada.”

Assata Shakur - (ativista negra, revolucionária, escritora e poeta, membro antigo do Partido Pantera Negra) - citado in, @umaoutraopinião/04.01.2022








Luiz Mauro Leonel Ferreira
, 68 anos, com muito amor e tesão pela vida... Preto Velho, Coxo e Pobre... sou Pretes. Professor de Filosofia. 32 anos de escola pública. Pós em Comunicação pela Cásper Líbero/SP

...caminho, penso, falo e escrevo em "pretuguês" (Lélia Gonzalez).

Sou…“ser-no-mundo-lidando-com-as-coisas-e-falando-com-os-outros"

(D. M.Critelli/Heidegger)

luiz.mauro.lf@gmail.com   @luiz.mauro.5095110