Escrever como assombro: uma entrevista com Saulo Machado

 por Marcela Güther__

 

Influenciado pela psicanálise e filosofia, o escritor baiano Saulo Machado estreia com “O Jogo das Margaridas” (Mormaço Editorial, 2021, 64 pág.), trazendo a morte como fio que liga as tramas dos seis contos que o compõem. É graduando de psicologia e estudante de psicanálise. Os contos que integram o primeiro livro do escritor pairam sobre uma espécie de assombro. “E tem uma dialética, pulsões de vida e morte, por isso se chama ‘Jogo’. No fundo, os personagens estão tentando não se matar”, expõe Saulo. A concepção de “O Jogo das Margaridas” foi motivada pelo período de pandemia e por um “acúmulo de pensamentos” que Saulo vinha cultivando nos últimos anos. Sua escrita foi diretamente influenciada pelo escritor e filósofo Albert Camus, com as obras “O Mito de Sísifo” e “O Estrangeiro”, e pelo psicanalista francês Jacques Lacan.

 

Confira a entrevista completa com o autor:

 

1 - O que motivou a escrita de “O Jogo das Margaridas”? Como foi o processo de escrita?

A lassidão da pandemia certamente se juntou a um acúmulo de pensamentos que vinha cultivando desde meu ensino médio, acredito eu. São pensamentos existenciais mesmo; o que é a vida, a consciência, o sofrimento, a angústia de não poder se segurar em nada etc. Quando o vírus deixou ainda mais clara a iminência da morte, aí eu tive que escrever. Na verdade, talvez o livro seja uma confissão própria, confissão de que para mim a vida não basta, de que é preciso inventar algo durante esse tempinho aqui. É minha revolta, como podem ver.

 

Então, é uma tentativa de me organizar internamente. Geralmente começa com uma premissa, depois é só trabalho. O primeiro conto, por exemplo, é uma fantasia minha. Tem esse professor, metafísico, que certo dia abandona tudo. É como se eu estivesse me contando como seria. Foram todos escritos sem que estivessem dentro de um projeto de livro, no entanto eu sabia que estava em voltas com alguns temas. E assim, cada conto foi tentando me mostrar uma faceta dessa coisa que é viver e morrer.

 

2 - Quais são as suas principais influências literárias?

Acho que minhas principais influências vêm da filosofia. Na verdade, encontrei muitas das minhas inquietações na filosofia. Em algum momento pensei que as abstrações filosóficas têm valor literário, como outras, e comecei a escrever. Nessa linha, diria que inegavelmente o existencialismo me toca bastante, pude encontrar autores que transformam ideias em palavras e frases minimamente bonitas. É uma maneira de sair de um intelectualismo chato e inútil para falar com a maioria, também. Por outro lado, a psicanálise me faz pensar bastante. Parece que não é tanto a coisa literária que me toca, mas sim as coisas que me fazem pensar muito. Quando essas coisas se juntam, parece dar tesão. Aí eu escrevo.

 

3 - Que livros influenciaram diretamente “O Jogo das Margaridas”?

Certamente “O Mito de Sísifo” e “O Estrangeiro”, de Camus. Acho que algo de Lacan também, com toda aquela ideia do sujeito que “tem que se virar” com a linguagem etc., não saberia dizer em quais seminários pode-se encontrar isso.

 

4 - Desde quando você escreve e como começou?

Meses antes de entrar no Ensino Médio eu vi um colega meu escrevendo sonetos. Alguma coisa aconteceu ali que eu comecei a escrever. Na adolescência inteira mantive um blog de poesias, mostrado a poucas pessoas. Era uma coisa melodramática. Hoje eu até escrevo poesias, ou o que gosto de chamar de mini poesias, influências de haikaiss etc. Não sei se são mais maduras, mas me agradam. Em 2020 fiz a primeira tentativa de escrita de algo longo, continuado. Deu num romance que não desejo publicar. Depois vieram os contos, é onde me aventuro mais.

 

5 - Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?

Eu acho que os contos pairam sobre uma espécie de assombro, de espanto, algo assim. E tem uma dialética, pulsões de vida e morte, por isso se chama “Jogo”. No fundo, os personagens estão tentando não se matar.

 

6 - Por que escolher esses temas?

Não é bem uma escolha, é o que me toca.

 

7 - Qual a principal mensagem que você quis passar com a obra?

 Tem um artista que eu admiro muito, que é o Rodrigo Amarante. Há algum tempo ele vem dizendo em algumas entrevistas, quando perguntado sobre isso, que a obra se sustenta por si própria. Soa arrogante, mas eu consideraria mais arrogante essa coisa de “querer dizer algo pro mundo”. Os contos dizem, eles não querem dizer. A questão mais interessante é: o que ele lhe diz? Isso eu gostaria de ouvir de cada um. Acho que enriquece a narrativa ouvir o que ressoou nas pessoas. Mas o que os contos me dizem, então? Algo como: a vida vale mais a pena quando posso me espantar.

 

8 - Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

Os primeiros impulsos do dia, logo após o café, são os que me fazem trabalhar melhor. Não tenho ritual. Às vezes uma ideia interessante passa e eu escrevo um parágrafo, uma frase ou o esboço de um conto inteiro. Às vezes sento com o real propósito de ajeitar ou desenvolver alguma coisa que escrevi, outras horas o desejo de escrever está ali, mas simplesmente não acontece nada.

Não acredito muito em metas. Se há algo em mim mais perto de uma escrita diária, é como um cometa que passa, risca, e vai embora. Depois, o desenvolvimento do texto é puro trabalho e insistência.

 

9 - Como é o seu processo de escrita? Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação?

 Geralmente as notas têm muito de paixão. Com isso quero dizer que somente o desenvolver de uma frase me mostra o quanto ela reserva de interessante para determinado texto. Gosto da ideia de premissas, iguais as sinopses de filme na Netflix; tem umas que você não dá nada, mas o filme se mostra muito bom, e vice-versa. Talvez o desafio seja mais estético, é a tal da “forma de colocar”.

Eu tenho uma mania (boa e ruim) de ser muito sucinto, já ficou claro isso atrapalha o desenvolvimento da ideia, pois a história toda acaba ficando nas primeiras linhas. Essa sucintez me parece estar entre a ansiedade e o estilo, algo que vou encontrar à medida com o tempo. Quando a escrita empaca muito, é porque tenho de recomeçar.

 

10 - Quais são os seus projetos futuros na escrita? Planeja outro livro?

 Uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado. Saindo vivo, quem sabe? Esperar que as palavras me convoquem.

 





Saulo Machado
é graduando de psicologia e estudante de psicanálise. Escreveu “O Jogo das Margaridas” (Editora Mormaço, 2021).

 






Marcela Güther - Sócia e diretora de conteúdo e relações públicas na com.tato. Está à frente do serviço de assessoria literária, auxiliando autores e editoras a divulgarem seus trabalhos na mídia. Já foi redatora de portais de literatura e revisora de livros e publicações literárias. Organiza o clube Leia Mulheres de Joinville (SC) desde 2017.