Impressão do que é sonhar: a arte do ballet Bernadete Zimmerle

por Bernadete Zimmerle__


Adam Littman Davis


 “Não lembro bem qual foi o dia, mas lembro-me que foi em janeiro,

 o ano, 2018. Nas férias, as salas cheias, dava vontade de   estar lá, 

dançando. Eram meninos e meninas com gestos doces, precisos, 

esculturais, corpos em movimento, braços, pernas, leveza e vigor, 

uma maravilhosa sinfonia, a arte viva passava pela minha visão”. 

                                                                                          

Sempre gostei de tudo que envolvesse arte, desde muito nova escrevia poemas, dançava em festivais da escola, interpretava canções e até me arrisquei a compor. Tudo vinha a minha mente: a cor, a forma, o palco, a luz, o tom da voz, o arranjo musical, o dançarino a interpretar a minha interpretação musical. Mas como na vida tudo se desfaz, os sonhos vão se esvaindo para que a realidade enfim prevaleça, foi assim que a canção, a dança, a poesia, começou a pulsar menos, em “Lá menor”, cheguei mesmo a acreditar que era besteira toda aquela efervescência que vivia o meu ser quando da arte se nutria. 


Fiquei um pouco sem alma... E foram anos assim, troquei a arte pela ciência, trabalhava noite e dia, nem sabia mais se era gente, tornei-me razão dura, metálica, petrificada por dentro. Não vou negar que ainda escrevia, restava em mim uma lembrança longínqua daqueles dias que insistia em ser minha essência.


Nas reviravoltas da vida, foi em 2018, era janeiro, bem sabia, ficou aquela arte em meus pensamentos, dança inteira, rima doce, mãos ao longe, pernas precisas.... Fazia dois anos (com interrupções) que levava minha filha ao ballet. E foi no momento, de repente, vi aquela cena, corpos, mentes, dança, poesia, tudo no adágio de encantamento e êxtase. Resolvi experimentar aquela imagem e viver aquela arte.


Toda desajeitada, a professora parou a aula e disse para arrumar meu cabelo, senti como um borrado naquela pintura.... Ora pois, voltei a infância das relhas? Não liguei, afinal, era a mestra do sonho a nos guiar. Pequena, irônica, rígida, melhor professora, ela nos levava a ser mais... entre “pliês e rond de jambe tudo en dehors e en dedans” era a música que ela solfejava e os sonhos finalmente poderiam começar. E como eram doces estes sonhos expressos nos olhos dos cem mil bailarinos (sim, eles valem por muitos), cheios de esperança, nossa professora nos fazia sentir que éramos muito mais.  Não havia idade, dancei com adolescentes e pessoas maduras como eu, o tempo e os corpos não eram, ou melhor, eram atemporais.


Logo após vieram outras danças, descobrir na contemporânea o teatro na forma, o desabafo, a criação e minha imaginação fluía, novamente ela voltara a funcionar.  Naquela dança se criava e se morria, virávamos anjos, ateus, profetas, demonstrávamos a trajetória do mundo até o homo sapiens sapiens e o presságio da extinção.


Tudo isso era e é dança, acompanhados dos olhos atentos da “fazedora de sonhos”, porque tantos sonhos ela acalentava e neles seus próprios sonhos se concretizavam.  Para todos era aquela que transforma tristeza em alegria, potencial em concretude, vazios em vida. Hoje sou aprendiz da dança e estou mais completa porque a arte novamente veio em mim, graças a aquela imagem que vi e a professora de sonhos que ensinava os meninos e meninas a voar. 



 


Bernadete Zimmerle
é Bacharel em Ciências Sociais, com mestrado em Ciência Política e especialização em Metodologia Quantitativa. Gerencia projetos de pesquisas qualitativas e quantitativas nas áreas de política e opinião pública. Escreve e é parecerista de artigos científicos. Dança ballet clássico e contemporânea, aprendiz da escrita e apaixonada por arte.