por João Gomes___
Retornando novamente à seção Falatório da Mirada, é com o poeta, livreiro, oficineiro, editor e produtor cultural Fred Caju que conversei. Com incentivo da Lei Aldir Blanc Fred realizou em 2021 a pesquisa “Diagnósticos e prognósticos”, levantamento acerca das editoras independentes no estado de Pernambuco. Entrevista pautada nos impactos da pandemia, sobre sua produção num momento de boom de vendas ele afirma: “Meu corpo está inteiriço no processo de produção e sei quais são os meus limites.”
1 - Fred, três anos se passaram desde nossa primeira entrevista para esta seção da
revista Mirada. Além da pandemia, que marcou a todos nós, o que mais impactou
em sua vida de autor, editor e livreiro na sua editora Castanha Mecânica?
A pandemia redesenhou muito da editora e de mim. Administrava um espaço em
Santo Amaro, no Recife, onde podia fazer eventos de fruição literária com
autoras e autores da Castanha Mecânica e outras editoras independentes. O
espaço foi suspenso e tudo ficou mais travado. Ainda cheguei a montar
programação online da Castanha e a participar de eventos literários de forma
remota. Como livreiro, suspendi todas as atividades porque também coincidiu com
uma mudança para uma casa menor e tive que devolver o acervo que tutelava às
devidas editoras. Muita coisa mudou no cenário, e mesmo observando algumas
aberturas novas, pra mim o cenário pandêmico sempre será infestejável.
2 - Entre janeiro e março de 2021, você fez
um levantamento dos coletivos editoriais em Pernambuco, através de um
formulário online enviado aos participantes e divulgado como “Diagnósticos e
prognósticos”. Como foi realizado esse mapeamento e o que mais lhe chamou
atenção na pesquisa?
Eu sempre tive muito contato com profissionais da edição aqui na região
metropolitana do Recife e conhecia pontualmente pessoas de outras macrorregiões
do estado. Sempre tive muita vontade de saber as estatísticas deste trabalho
que cada vez mais se avoluma e se espraia em Pernambuco. Quando comecei com a
MOPI, a Mostra de Publicações Independentes, concentrei vários números de
quantidades de editoras, profissionais da edição e até de livros éditos entre
2015 e 2020. Foi crescendo em mim uma vontade de delinear uma silhueta do
perfil dessa planilha de dados que eu tinha. Então o mapeamento foi feito para
saber como essa rede produtiva se forma, se conecta e se mantém e quem são os
corpos por trás dessas iniciativas editoriais. A pesquisa acabou mostrando algo
que já estava aos meus olhos: as editoras independentes possuem um perfil contra
hegemônico ao cenário editorial estabelecido. Deixo aqui o convite para
conhecer os números apurados aqui no link.
3 - A editora Castanha Mecânica estreou seu
podcast, o Rasgo do tempo - um programa sobre literatura, teoria e edição,
projeto incentivado pela Lei Aldir Blanc, apresentado por você, por Renata
Santana e Raíza Hanna. Trabalhar nesse formato de mídia te possibilitou atuar
em novas possibilidades narrativas? Como se dá a construção do roteiro do
podcast?
O rasgo do tempo surgiu
de conversas despretensiosas entre Raíza Hanna Milfont, minha esposa, e
eu enquanto trabalhávamos no ateliê. Ouvíamos alguns podcasts literários e
pensamos em um. Quando saiu o edital da Lei Aldir Blanc, chamamos a Renata
Santana pra fechar o time. Como suporte de bastidores, tivemos Alexandre
Melo na produção e Alexandehn que cuidou de todas as texturas
sonoras e edição. Eu também já havia pensado em algo assim com Renata,
mas sem estabelecer nenhum formato. Acabamos definindo três eixos para o
podcast: literatura, teoria e edição e dividimos o roteiro entre a gente. Renata
ficaria com as entrevistas, Raíza com a parte teórica e eu ficava
com a parte da edição dos livros. O podcast teria entre as participações
especiais críticas e críticos literários e autoras e autores da Castanha.
Construímos tudo de forma remota e assíncrona, por questões orçamentárias e de
alinhamentos de agendas. No meu caso, foi uma experiência de digressão para
formar meu bloco no podcast. O colofão é onde eu rememorava como
aconteceu as escolhas editoriais e gráficas dos livros, então pra mim foi como
caminhar em outro gênero literário.
4 - Você ministra oficinas de preparação e
recebimento de originais para autoras e autores que desejam se tornar editores.
Recentemente li um artigo no Jornal Rascunho em que o autor, José Roberto
Torero, cria uma nova palavra, o “Escriditor”. Como você vê o resultado
dessas oficinas e o que atrapalha a criação de uma pequena editora?
Eu criei essa oficina devido aos originais que recebo nos chamamentos da Castanha
Mecânica. Senti que muitas pessoas que submetem o texto a ser avaliado
entregam o documento de uma forma que a legibilidade dele se compromete. Então
não é apenas uma oficina para pessoas que querem se introduzir na edição, mas
também para autoras e autores que querem entregar um texto original com mais
esmero às editoras e aos prêmios literários de obras inéditas. No caminho da
oficina, misturo história da edição e relato experiências pessoais e
profissionais de mais de dez anos de atuação, e o que sinto é que não há tantos
empecilhos para criar uma iniciativa editorial. A dificuldade é mantê-la
com a chama acesa. Se a editora for criada com a dependência das vendas e não
vender nada, logicamente vai morrer. Existem leis de incentivo que podem
prolongar a vida das editoras pequenas? Existem. Mas é preciso uma preparação
para este cenário de editais também porque não é um amplo caminho que pode
beneficiar a todas as editoras.
5 - Tenho assistido frequentemente
publicações nas suas redes sociais apresentando detalhes da sua encadernação
artesanal: sobre uma mesa milimetrada, colando lombadas, fazendo uso de
ferramentas de gráfica. Anualmente você faz chamadas para novos autores, mas
quando alguém lhe procura para fazer um livro, é mais interessante ensinar ou
fabricar?
Bom, quando sou procurado para algum trabalho de confecção fora da Castanha
Mecânica, assumo uma postura mais técnica. Geralmente na primeira reunião
pergunto até que ponto a pista está livre para que seja também um trabalho
criativo, afinal é um serviço contratado e a palavra final pode não ser minha,
então não realizo nada fora do acordado. Mas também sou firme quando o trabalho
não está atento à responsabilidade ambiental com os insumos materiais que serão
utilizados e reivindico adaptações visando a redução de danos.
6 - Pesquisando sobre editoras
independentes, descubro encantado que o catálogo da Castanha Mecânica está
disponível na Calaméo, plataforma gratuita de livros digitais, e recordo que
sua editora começou online. Você é dos que acredita que o livro funciona sobretudo
da forma física?
Tenho um apreço sim pelo livro físico. É sem dúvida meu objeto favorito no
mundo. No entanto não vejo o suporte como único caminho para a leitura. Nem
acho que a experiência da leitura é mais completa no livro analógico. Por exemplo,
o digital permite outras formas de apreender o texto. O catálogo da editora
está acessível para leitura integral e online porque tenho condições de
mantê-lo e nunca isso obstruiu nenhuma venda na Castanha, muito pelo contrário,
é uma estratégia política que também acaba tendo força comercial, uma vez que
os livros analógicos do catálogo são atualmente pensados nas potencialidades do formato físico.
7 - A pré-venda de livros ajuda as editoras
a quantificar os exemplares que devem ser impressos na primeira edição. Mas
isso funciona, ao que parece, somente no virtual. Como a Castanha lida
com o número de impressos e o que seria necessário para configurar uma maior
tiragem?
João, a natureza do trabalho que faço na Castanha Mecânica não é pensada
para tiragens altas. Meu corpo está inteiriço no processo de produção e sei
quais são os meus limites. No cenário pré-pandemia as tiragens eram de 100
exemplares. Com as necessárias restrições sanitárias de contenção a covid-19,
no primeiro momento houve um boom de vendas, depois aconteceu uma grande
retração. A pré-venda foi adotada durante essa retração e serviu como um
termômetro para definir o tamanho da tiragem. Hoje as tiragens são
completamente flexíveis, afinal, energia economizada também é lucro.
8 - Fala um pouco da criação do Sebo
Serifa, que além de livros usados, faz entrega para todo o Brasil de
artigos de papelaria. A ideia do sebo é uma maneira também de manter contato
com interessados em livros e uma forma de fazê-los circular por um preço mais
acessível?
Na sincera das sinceras, o sebo serifa é uma ação de desapego e de ter mais
espaço nas estantes mesmo. Me mudei para uma casa menor e os livros não ficaram
com o mesmo espaço que antes. Então resolvi pôr à venda títulos que acho que
seria melhor estarem em circulação do que parados comigo. Pra minha surpresa me
deparei com alguns exemplares que estão se rareando entre os alfarrabistas e
que eu tinha comigo, mas é uma paixão que não sei se terei tempo para me
dedicar, foi uma medida emergencial mesmo.
9 - Na maioria dos prêmios literários deste
ano, o número de editoras independentes que figuraram entre os finalistas foi
muito expressivo. Como você percebe esta
mudança no cenário nacional e o que talvez tenha contribuído para que os estreantes
possam ser premiados?
O que me surpreende nisso é que esse cenário demorou para se instaurar. Acho
que ainda se tem visões deturpadas sobre editoras independentes. É um termo
plural e dissonante e de difícil definição. O circuito que acompanho de
editoras fora do mainstream literário é de profissionais com muita seriedade e
que apostam muitas fichas no que fazem. Hoje para se tirar o ISBN de alguma
publicação é um caminho simples e resolvido em apenas um Google e $22,00.
Oficinas, workshops, cursos, graduações e pós-graduações também estão
despontando em todo Brasil e de forma remota. Tudo isso amplia as condições
quantitativas e qualitativas do mundo editorial.
10 - Você é sempre atuante na produção de
diversos projetos. A pandemia, segundo a CNN Brasil, provocou um aumento
significativo nos casos de depressão e ansiedade na população brasileira, tudo
isso aliado a um desequilíbrio econômico no país. A quem ou a que você associa
a continuidade dos seus projetos, mesmo após o surgimento da Covid-19?
Comecei a entrevista dizendo que a pandemia é infestejável, mas tive a grande sorte de encontrar Raíza Hanna Milfont antes que o mundo virasse de ponta a cabeça. Ela é meu porto desde então. Crescemos concomitantemente entre trabalhos e vida amorosa. Entre conversas políticas e literárias e arriações despretensiosas seguramos a barra. Dando apoio mútuo, realizamos alguns trabalhos e temos planos para outros tantos. É por e para Rai que me mantenho ativo em meio a tudo isso.
Fred Caju é escritor, editor, artesão do livro e livreiro. está à frente da editora castanha mecânica, é curador da mopi – mostra de publicações independentes e juntamente com raíza hanna divide a curadoria do podcast de literatura, teoria e edição rasgo do tempo. também facilita oficinas de escrita, edição independente e artesania editorial presencialmente e online.
João Gomes (Recife/1996) é poeta, editor da revista literária online gratuita Vida Secreta e colaborador da Mirada.