por Lisiane Forte__
A primeira tentativa de viver o
dia de hoje
foi escancarar as cortinas das
janelas.
Mas por trás das cortinas,
haviam janelas
de madeira de lei,
pesadas,
cheias de ferrolhos,
venezianas,
vidros coloridos.
Eu ainda não enxergava por trás
daquele ornamento
todo –
das cortinas às janelas.
Então, fiz força e abri as
janelas,
fiquei ali um tempo bom,
escorada no parapeito –
amanhecendo junto aos
silenciados de ontem.
Vi flores e pássaros,
casulos,
borboletas furta-cor.
Senti até o cheiro de café
coado,
enquanto avistava a forte chuva
que vinha.
De imediato, senti frio e
encurvei-me toda
numa espécie de alvéolo,
fechei as janelas e as cortinas
das quais acabara de
abri-las.
E se minha primeira tentativa
de viver amanhã
fosse só pegar lápis e papel
para desenhar o dia de
ontem,
retrataria o ato com precisão?
—Mal lembro onde deixei as chaves!
E se eu não tiver mais aquelas
tintas coloridas,
inventaria das cores o que eu
ainda não vi?
Lisiane Forte é psicóloga clínica, escritora, ilustradora, fotógrafa, colaboradora da Mirada Janela, membro efetivo da Academia Brasileira de Psicólogos Escritores, arteterapeuta, atua com expressões corporais em sua clínica artística, Clínica Instante e autora dos livros "Liames" e "Zonas Abissais".