Não caia | Valdocir Trevisan

por Valdocir Trevisan__


Foto: Dan Carlson


Zé Ramalho já alertava: "não caia", quem vai voar...


Sucumbir a nossas ideologias...desistir...é o que eles querem.


Não caia.


Eles querem nosso silêncio.


Não caia.


Cuidado, as culturas industrializadas massacram nosso cotidiano.


Não caia.


Sim, o Grande irmão de George Orwell é mais real que imaginamos.


Não caia.


As instituições punitivas citadas por Michel Foucault sobrevoam e derrubam iniciativas.


Não, definitivamente, não caia.


Todos já sabem, um dos primeiros gritos de sobrevivência contra a opressão é desobedecer a padrões e deixar de ser meros receptores de modas e opiniões.


Simples assim. Deixar de ser um robô seguindo ideias pré-concebidas.


Nélson Rodrigues já dizia que nosso problema é que fazemos parte de uma sociedade preconcebida.

 

O que fazer? Ultrapassar o nosso "até ali". Como vou saber o que há depois da estrada se não arriscar? Ora, o que existir depois das curvas sinuosas vai sobrar pra "eles". E a suposta segurança de ficar acomodado será uma proteção fictícia, não teremos novas respostas, elas serão as mesmas de sempre. E pode ficar pior, pois podemos esquecer quais eram as perguntas.

 

Não podemos esquecer que o medo e a subordinação roubam a nossa esperança e daqueles que aceitam passivamente a ideia do outro. Cipriano Vãlcan, filósofo romeno, cita Kafka: "ele sempre preferia partir da investigação de si mesmo, buscando chegar a um diagnóstico preciso das enfermidades da alma dos seus contemporâneos".

 

É preciso ousar.

 

É preciso respeitar sua biografia.

 

É preciso revelar sua dignidade e seu rosto. E se errar, lembre-se que o jogador só perde o gol porque tentou. Remoer as próprias falhas só irá mascarar a fraqueza de quem não tem coragem de prosseguir em busca dos seus sonhos.

 

Acho que sempre é  mais valioso enfrentar o novo do que aceitar o antigo.

 

Quero a insegurança do mundo líquido de Bauman, quero ver através das curvas misteriosas. Não vou deixar ninguém tirar minhas ilusões, quero ver a estrela brilhar (sim, falta pouco tempo).

 

Tanto para o jovem como para o adulto e para a terceira idade, pois temos desejos e objetivos. Temos que ver o que há atrás das montanhas. Não canso de ficar na área da frente da minha casa observando uma linda montanha, mas sei o que há adiante. Ciprian segue com Kafka, "é preciso entrar na casa, em vez de admirá-la e decorá-la".

 

Admirar faz parte do processo, mas ultrapassar as curvas representa crescimentos internos. O que não podemos deixar acontecer é permitir o outro dizer o que devemos ou não fazer, ler, ver, pesquisar, bisbilhotar, estudar, decifrar...

 

Não, não pretendo cair, e se cair, vou precisar de novos conhecimentos que podem estar atrás das montanhas, depois das curvas.

 

Percebem?

 

Ei, homem de Deus, acorde ainda é tempo. Ei, homem de Deus, remova as montanhas, elas são "suas", de mais ninguém. Elas te pertencem.

 

O Grande irmão de Orwell que procure outro. Comigo não. Obrigado Foucault por me alertar sobre as instituições funestas. Agora sei que nos quartéis ensinam antigas lições. Agora entendo por quê o personagem de Raul Pompéia incendiou sua escola. Calma, não estou disseminando ódios, nem sou incendiário. Uso Raul Pompéia como metáfora (embora Sergio tenha incendiado o Ateneu).

 

Só desejo que ninguém caia.

 

Também não quero cair, muito menos ser acusado de incendiário, quero apenas ultrapassar montanhas.

 

Minhas montanhas.




Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: clica aqui