Três ou quatro Tietês | Anthony Almeida

  

Anthony Almeida__





O meu Tietê, além de ser o rio poluído mais famoso de São Paulo, do Brasil e das aulas de Geografia, é um terminal de ônibus visto num cartão-postal. Sua alcunha: a maior rodoviária da América Latina. Acrescentei ao meu Tietê, ainda, o Tietê de mais duas visadas: as viagens de minha mãe e o jornalismo literário de Vanessa Barbara.


Quando chego ao terminal pela primeira vez, para pesquisar as possíveis viações e rotas que me levarão e percorrerei até Pernambuco, fundo estes três Tietês às minhas expectativas. A rodoviária já me era um lugar antes que eu o vivesse. Um postal dele me foi enviado por um cartofilista. Alguém de meu afeto já o havia vivido. A repórter que me fez acreditar que uma prosa feita em crônica podia ser, além de literária, jornalística e científica já o havia vivido.


(Vanessa Barbara escreveu a sua reportagem como Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em jornalismo. Para findar a faculdade, trataria do terminal rodoviário do Tietê, decidiu. Mais do que uma reportagem, a formanda queria experimentar no estilo. Sua segunda decisão: escrever uma série de crônicas sobre o lugar.


Se a crônica é um híbrido entre a literatura e o jornalismo, que seu trabalho fosse um sincretismo de jornalismo e literatura – e, aqui, a ordem dos termos altera o resultado. Para fazê-lo, Barbara usou a necessidade da informação do jornalismo, a prosa perene e cheia de estilo da literatura e a metodologia qualitativa, com observação participante e história oral, da ciência. Fez. Formou-se.


Cinco anos depois, em 2008, revisitou o texto e o terminal para publicar seu trabalho em livro. 'O livro amarelo do terminal', impresso em papéis que simulam as passagens de ônibus, nasceu, ganhou o mundo e um Prêmio Jabuti, em 2009. Conheci-o em 2016, quando a crônica me era companheira de viagem. Devorei-o em poucos dias, talvez três ou quatro).


Antes de chegar ao Tietê, procuro o postal, ouço a minha mãe sobre suas experiências, releio Vanessa Barbara. O cartão, perdido numa caixa com outros postais brasileiros, continua perdido. Minha mãe conta que "é gente demais, correndo pra lá e pra cá, sem tempo", que "ninguém sabe que direção tomar, vão pra um lado, pra outro, não param pra nada". A cronista me acrescenta: "de fato, muitos pernambucanos, baianos, peruanos ou mineiros perderam-se há algum tempo em São Paulo e continuam deslocados, reprimindo a cada dia o desejo de voltar para casa".


Postal, procurarei um novo em alguma loja do terminal. Minha mãe, eu sei exatamente que direção tomar. Você mesma já me disse, vezes e vezes, que a gente nunca erra o caminho de volta para casa. Vanessa, perdi-me por alguns anos em São Paulo, sim. Reprimi o meu desejo de voltar para casa. Não reprimo mais. Minha vinda é minha libertinagem.


Entro na rodoviária e abandono o meu Tietê imaginado, desejado. Meu Tietê de anseio torna-se real. Depois que cruzo a catraca, que interliga o metrô ao terminal interestadual, é o fim do sonho.

 


São Paulo. Agosto, 2022.

 





Anthony Almeida é professor, cronista e cartofilista. Nasceu em Caruaru/PE e está vivendo uma temporada em São Paulo/SP, antes de pousar, outra vez, em Caruaru. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista do Jornal Tribuna Livre, da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com