Uma crônica para uma dor crônica | Rafael Silva

por Rafael Silva__


 


Preciso de uma dose cavalar de analgésicos para essa insuportável e persistente dor na lombar. O pior é que esse esquelético ônibus mal ajuda e se rebuliça convulsivamente ao passar pelos buracos a cada metro e meio nessa avenida dos Anjos. E rebola também os corpos cansados de cabeças pensas e músculos moles para lá e para cá e a depender da fundura do buraco um pulo para alertar os escravos modernos.


— Vai devagar, fela puta! Tu não tá levando jumento, não.


Daqui, vejo um jovem, coitado. 17? 18 anos? Com sua calça jeans e tênis seminovo, uma blusa de cor monótona, o nome de algum curso, o brasão de alguma universidade, escorado sobre a mochila que faz as vezes de gordura macia que falta nos ossos desse ônibus e que excede em meus quadris.


É o jovem brasileiro a cair de sono nos imundos coletivos depois de fazer cálculos ou decorar filosofias, na esperança de que no futuro isso valha de alguma coisa. Valerá? No país da antieducação e do desemprego, o falido Brazil?! Haverá chance? No país que troca diploma por cartas marcadas?


Preciso de uma dose cavalar de analgésicos para essa minha dor insuportável e persistente na lombar. Já passa da hora do meu duloxetina, assim que chegar em casa tomarei enquanto olho para meu diploma em aço escovado pendurado na parede do meu quarto, com a carteira de trabalho na mão a esperar pela assinatura de algum patrão.

 




Rafael Silva
. Sou um jovem psicoterapeuta e escritor: indignado em ambos os papéis. Tenho vivido nesta terra querendo "incendiar cidades" tal como Sonast em "liberdade absoluta", mas como é crime taco fogo pela Palavra. Escritor de "Escritos sobre um velho em ruínas" (Selo Mirada, 2021) e de outros textos debandados por aí mundo afora. O mais é com uma xícara de café ou uma dose de cana. Bora pro bar!