por Menalton Braff
Se o leitor que ora aqui chega já recebeu um jabe no queixo, está autorizado a abrir este livro e percorrer suas páginas, que são, geralmente, duras como gritos de protesto. E isso, sem esquecer que são poemas, então vai encontrar muita poesia pelo caminho, com todos os recursos da poética contemporânea. A estrutura dos poemas, a linguagem com suas figuras, o sentido geral.
Sobre a estrutura, basta dizer que são versos livres, com seu ritmo próprio sem a camisa-de-força da métrica tradicional.
Mas são também versos brancos, sem esquemas rítmicos, apesar de surgirem aqui e ali rimas que se pode chamar de naturais, como ecos contra os morros em manhãs de nevoeiro. Neste capítulo, não se pode deixar de perceber seu parentesco com a poesia práxis, sobretudo na dinamização de palavras contíguas exercem umas sobre as outras.
No poema Sertão, como exemplo, de poesia práxis, encontramos o seguinte fragmento:
Castigado sertão,
o gado morre,
ninguém socorre...
Nos pés,
rachaduras,
duras penas,
áreas anecúmenas,
tristes cenas.
A enumeração de figuras de linguagem serem extensa, mas metáforas, metonímias, assonâncias e aliterações povoam os poemas praticamente todos.
Ataque é um livro que à primeira vista transcorre sobre uma ladeira caótica, guardados os subtítulos em que surge uma primeira tentativa de organização. Mas bem observados os diversos poemas, tem-se por fim a chave do mistério que os homogeiniza: o grito. E isso resulta, esse aparente desregramento, na força que, a exemplo das palavras, um poema empresta aos outros. E pode-se dizer que aí reside sua originalidade.
Um grito preso na garganta,
alguém que canta
Por fim, muito disfarçadamente, eis aí o mote que deverá unificar os poemas do livro.
Em certo sentido, e apesar do discurso em primeira pessoa, pode-se dizer que há, no livro todo, um certo tom épico inegável. Fácil de entender. Através da poesia, a poeta, ela mesma, em que pese o sentido ficcional do discurso, denuncia crimes sociais e quaisquer outras violências cometidas contra seres humanos, sobretudo negros e mulheres.
E sua dedicatória, lá pelo meio do livro, é bastante elucidativa.
Para todas as mulheres campesinas e para aquelas que lutam por
teto, trabalho e terra.
Subitamente, aliviando a alta vibração do “grito”, um poema carregado de ironia.
Pouco importa
Estamos cada dia mais gélidos;
pouco importa,
o velho fotógrafo caído,
que congela
nas ruas da cidade luz.
E cada estrofe, carregando em si a denúncia da indiferença, termina com “pouco importa” como refrão ou nota pedal.
Várias alusões ao que ocorre no Brasil atual, como foi a pandemia, as dificuldades econômicas, o desgoverno, mas aponta finalmente para o futuro: “Amanhã será um novo dia”, desvendando seu parentesco com a música popular e um de seus principais compositores.
Para quem não se conforma com a situação atual e sonha com um mundo melhor, Ataque é leitura obrigatória. E prazenteira.
*originalmente prefácio do livro
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Menalton Braff é um contista e romancista brasileiro. Escreveu À Sombra do Cipreste, prêmio Jabuti de Literatura em 2000.