Cinco poemas do livro Avôa, de Ronaldo Fernandes

 por Ronaldo Fernandes__





VOA. AVOA. REVOA.


Minha avó voa.

Dentro mim, avoa.

Em meu filho, revoa.

Voa. Revoa. Avoa.

Eu, espírito alado.

Ela, sono sossegado.

Ele, corpo acelerado.

Nós, complexidades

Minha avó avoa.

Nesse homem, revoa.

No menino, voa.

Avoa. Voa. Revoa.

Ela, dona fortaleza.

Ele, filho gentileza.

Eu, pai correnteza.

Nós, perenidades

Minha avó revoa.

Em seu neto, voa.

No bisneto, avoa.

Revoa. Avoa. Voa.

Ele, garoto coração.

Eu, homem emoção.

Ela, mulher oração.

Nós, afinidades

Minha avó, gigante.

Meu filho, dissonante.

Eu, rio inconstante.

Ela, Josefa.

Ele, Gustavo.

Eu, Ronaldo.

Nós, ancestralidades


POEMA DO ANO NOVO


Lá vem novamente aquele desejado ano novo:

cabe perguntar se tudo é círculo, como dentro de um ovo?

Se tudo começa ou recomeçará para o povo?

Mas nada está ou estará como antes: eu revolvo!

Lá vem novamente aquele esperado ano novo:

cabe indagar se me permitirei machucar com o estrovo?

Se tudo inicia ou iniciará como na corte faz o bobo?

Não! Nada fica ou ficará como antes: eu resolvo!

Lá vem novamente aquele arejado ano novo:

cabe questionar se agora se realizará o sonho do povo?

Se rompe ou irromperá a casca do ovo?

Mas tudo move ou moverá do de dantes: eu revolvo!

Lá vem novamente aquele renovado ano novo:

cabe interpelar se é forte o meu covo?

Se quebra ou quebrará todo o estorvo?

Mas tudo muda ou mudará do de dantes: eu resolvo!



ARREMESSO


Eu, mãos arremessadas sobre a cidade, sozinho,

[solitário, pleno, íntegro, preto

Eu, olhar lançado para saudade

anchinho, libertário, veneno, negro, preto

Preto, preto, preto, preto, preto, preto

Pleno, pleno, pleno, pleno, pleno

E reitero

Negro, preto, azulão, negro, pleno, coração


VOCÊ NUNCA ENTENDE NADA


Todas as manhãs, o pão na chapa que você adora.

Regularmente, a buchada de bode que você ama.

Dia sim, dia não, o cuscuz com leite que te alimenta.

Semanalmente, a feijoada de caldo grosso que você pede.

Quinzenalmente, a macaxeira com charque frito que te lembra a infância.

Mensalmente, o inhame com manteiga de garrafa que você amassa.

Você foi comendo tudo

o pão na chapa a buchada de bode o cuscuz com leite a feijoada de caldo grosso a macaxeira com charque frito o inhame com manteiga de garrafa

De tudo você comeu.

De quase tudo... você comeu.

Faltou o prato principal:

EU!


CAROÇO


Separo a terrina.

Pego o fubá.

Preciso de leite.

Um pouco de sal.

Fogo brando.

Começo a mexer.

Força.

Mexo. Remexo.

Pelotas. Caroços.

Empelotado. Encaroçado.

É necessário

mais leite, menos fubá.

Abaixar o fogo.

Tá tudo em demasia ou faltando.

É necessário

mais força...

Volto a mexer.

Mais força.

Mexo. Remexo.

Caroços. Pelotas.

Encaroçado. Empelotado.

Olho a terrina.

Não é o angu.

SOU EU!





Ronaldo Fernandes é bacharel em administração de empresas e pós-graduado em direção e atuação teatral, além de diretor de operações em uma empresa de tecnologia. Natural de Paudalho, cidade de Pernambuco, veio ainda adolescente para Santos (SP), onde aprofundou as pesquisas na área de dramaturgia. É fundador da Cia Trilha de Teatro e um dos componentes do Grupo Tescom de Teatro. Atuando como dramaturgo, diretor e ator, participou de diversos espetáculos teatrais. Na literatura, estreia com "Avôa", publicado pela editora Paraquedas.