por Ângelo Fábio___
Cantora, educadora e produtora. Mulher preta, artista e periférica do
Campo Limpo, São Paulo cria e recria seus universos poéticos cheio de
empoderamento, liberdade e ancestralidade. Luana Bayô uma voz autoral e
intérprete que carrega em sua obra a
leveza dos tambores, das cordas e instrumentos de sopro. Passeia pelo samba,
pela poesia e outras sonoridades como o “rouco” borrifado com pinga para afinar
o som do tambú.
Nem tudo que é talento
nasce de berço de ouro, e sim de outros braços. Do ventre das mulheres das
grandes periferias e áreas remotas desse imenso Brasil, e quando falamos de
artistas afrodescendentes e
indígenas vivos/às nesse país, podemos afirmar que somos frutos da resistência
que rompeu com a lógica e “regras” dos tristes dados estáticos do capitalismo
selvagem.
Yorubás é um grupo étnico africano que vive, em grande parte, no
sudoeste da Nigéria, no Benim, no Togo e em Gana. Além deles, outros países apresentam
uma população significativa de ascendência Iorubá, como Brasil, Venezuela,
Cuba, República Dominicana, dentre outros. Cerca de 30 milhões de pessoas
compõem esse grupo étnico-linguístico, o qual possui uma língua própria: o
iorubá.
Luana Bayô se banha destas fontes e seu sobrenome significa “Encontro feliz”.
No Brasil, a população
negra é a maior do país, representando 56% dos 212 milhões de habitantes
(2021), mas também é a mais vitimada. Segundo o estudo “Violência armada e
racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, homens negros
representam 78% de pessoas mortas por armas de fogo Brasil (Instituto Sou da
Paz). Para as mulheres pretas o analfabetismo chega a 42,2% da população,
contra 39,2% dos homens. (Fonte IBGE).
A cor da nossa pele é o que
dita determinadas regras de quem deve ou não deve viver em um país racista.
Para muitos/as de nós
negros e negras que aqui estamos, devemos sim contar nossas histórias de vida,
já que elas constantemente são apagadas, e mais do que nunca o que nos resta é
re-existir, e nós sabemos muito bem o que vem a ser o sub-existir. Manter-se
vivos/as por aqui não é nada fácil. Seguimos dentre nossas utopias buscando
melhorias para realizar nossos sonhos de vida com dignidade.
A arte e cultura é um dos
principais fatores que ainda nos permitem sorrir e é com um imenso riso, um
olhar sereno e profundo, uma voz forte e um corpo eloquente que Luana Bayô
representa a muitos/as de nós com seu canto e composições.
“Não
venha me dizer
Tudo o que devo e não devo
fazer
Daqui pra frente
O meu destino será
diferente…” (Deusa - L.B)
Traçar nosso próprio
destino é uma afronta para os detentores do poder, para muitos/as é inaceitável
que pessoas negras estejam em um lugar de destaque e protagonismo e a Bayô sabe
muito bem disso e ela faz que seu nome passe a ser um “encontro feliz” mesmo
que em seu caminhar carregue dores e silêncios.
Cantora, educadora e compositora paulistana de Campo Limpo, São
Paulo, é uma daquelas vozes da periferia do conhecimento que nos despertam o
gosto de querer ouvi-la e conhecê-la sempre um pouco mais.
Era um dia esquisito, mas a poesia salva
Era um dia esquisito, foi o fatidioso 7 de setembro
de 2022 aqui na cidade de São Paulo, este dia estava enfestado de zumbis que
vestiam camisas das cores verde e amarela da seleção brasileira, se escutava no
metrô celulares que tocavam o hino nacional, algumas pessoas diziam “mito
2023”, hávia um grupo de rapazes com todo um porte facistóide que me olhavam
com ares de ódio, e eu os encarava com o meu de fúria… Não tive escolha, ou eu
seguia ou seguia, então encarei as ruas até chegar na Estação Barra Funda. O
meu objetivo final era chegar em Sorocaba, a 101,3km da capital São Paulo. Foi
lá que fui me deparar com o “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus.
A primeira vez de que tive acesso a obra da Carolina de Jesus foi no ano de
2002, onde fui convidado a participar de um recital poético/performático
coordenado pelo agitador cultural e poeta Jomard Muniz de Brito e a professora
e poetisa Lucila Nogueira (in memorian) , era lá no 13º andar do CFCH (Centro
de Filosofia e Ciência Humana - UFPE), e foi ali que me deparei com a Maria,
especificamente com o disco o “Quarto do Despejo”, álbum de 1961. Eram poemas
cantados e ritmados na cadência de algum samba e marchinha de carnaval, eu e
outros amigos/as recitamos o que ouvíamos, daí por diante fui procurar saber
quem era aquela compositora negra e favelada e pra mim foi um grande presente.
- 20 anos depois estou eu em São Paulo me deslocando para a cidade de Sorocaba
com o intuito de saber mais de quem era aquela mulher por interpretar os versos
e canções de o “Quarto de Despejo”, e foi uma imensa surpresa que me deparo com
um pocket show no espaço de Convivência do SESC Sorocaba com a voz da Luana
Bayô que ocupava todo o salão, acompanhada por uma banda majoritariamente
formada por mulheres pretas: Beatriz Lima no baixo, Cimara Afrois na sanfona,
Loiá Fernandes na percussão, Carol Nascimento no violão, Karol Preta na bateria
e um público em sua maioria conformado por pessoas brancas.
Uma situação me chamou a atenção… logo no início do show a Bayô
inicia com a canção “Rá - re - ri - ro -
rua” e não demorou muito para um homem típico “padrão” se levantar e sair
do espaço de convivência, um tempo depois ele volta e fica bastante inquieto
durante toda a apresentação, era uma
inquietude esquisita, onde seu corpo demonstrava um determinado incomodo, a
leitura de que faço era de que aquele momento se tratava da prova dos nove (9) que corpos
negros num lugar de protagonismo é uma afronta pra uma sociedade que ainda
teima em nos querer ver num lugar de subalternidade.
O encontro do Chefe da Macaia* com a Mulher
Búfalo
Uma
busca pessoal que resgata histórias ancestrais sobre todas e todos que vieram
antes de nós. Tambú é um instrumento de percussão que consiste num
pau roliço, oco, de mais ou menos um metro de comprimento, com uma das bocas
fechada com couro de boi, bem esticado e banhado com pinga para afinar o
instrumento.
O
disco Tambú nos apresenta uma variedade importante das sonoridades percussivas
do lado mais preto da cultura paulista.
A Bayô
em seu Tambú também nos presenteia com suas composições um regado e cuidadoso
lado instrumental. Tambú é incisivo por suas histórias, sorrisos, referências
as espiritualidades negras e lágrimas.
É magia
preta cheia de força e encanto desta mulher negra, que de tão forte que é sua
personalidade se espreita como a altivez da mulher Búfalo. Com empoderamento
feminino e resistência, Tambú nos apresenta um disco composto por 10 faixas,
ela tece com sua voz a importância do continente africano que é o tecido do
mundo que com toda liberdade e influência da música brasileira nos sinaliza os
sons e batuques do lado mais preto da cultura paulista.
Tambú é
uma criação coletiva composta por grandes instrumentistas.
As
palavras escritas e a contação das histórias das mestras e mestres griôs também
fazem parte não só de seu disco, mas de cada um de nós. Por aqui iremos ouvir e
relembrar de canções que ouvíamos quando criança, ou quiçá nos atice a memória
dos banhos de limpeza em nossas casas cheias de folhas e cheiros nos finais de
cada ano.
“Tem Caboclo/a, Pomba Gira, Oxum, Oyá, Exu
e Jassiara das Penas. Tem o Sete Flechas que dançou feito moleque que acertou
cascavel com seu bodoque. A Lua se banhou no pé da bica e fez padê com cachaça
e mandioca. Colocou o manto sagrado com fio de roca, levou sete cumbuca de
canjica para saudar o cacique daquela oca.”.
Tambú é
Luana Bayô - voz; Thayná Oliveira violoncello; Giovanni Diganzá - violão e
viola; Mayara Almeida - sax/flauta transversal; Cauê Silva - percussão geral e
Xeina Barros percussão - percussão geral.
E que
das mãos da poesia escrita por uma poetisa e educadora preta que nossos ouvidos
celebram e receba as vozes de todos/as aqueles/as que vieram antes de nós. E
que a senhora dos ventos sopre em nós o amor e a dança e que nos afaste de
todas as maldades. Que o sopro da Mulher Búfalo que carrega a força das
tempestades e das brisas eleve o canto desta voz preta para outros continentes.
Então a
cada momento que a escuto sempre me vem em mente de como seria o seguinte
encontro Luana Bayô com Virginia Rodrigues, Amaro Freitas e Mateus Aleluia.
Sonhar não custa caro é algo que me move, fico por aqui aguardando algo mais
que me toque.
Luana Bayô
Fotografia:
José Carvalho @zecarvalhoph
Make: @muabodonni
Acessórios: Ojire Art @ojireart
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