Uma simples saidinha | Adriano Espíndola Santos


por Adriano Espíndola Santos___




Qualquer saída, agora, é motivo de desconfiança, hesitação. Falo do inconveniente de encontrar pessoas e de ouvir frases preconceituosas ou superficiais, como “bandido bom é bandido morto”. Já às 14h, no intervalo atrasado para o almoço, resolvi ir a um barbeiro desconhecido. Sempre passei na frente do estabelecimento, mas dessa vez quis experimentar. Alguns amigos haviam ido e gostado bastante: “Recomendadíssimo”. À primeira vista, fugia à regra; um bom sinal: o local não tinha o formato de cabines com vários barbeiros experimentais, recém-formados, ávidos por estropiar orelhas – aconteceu comigo, por acaso, há alguns meses. O homem parecia veterano, cuidadoso e educado. Pediu que me sentasse e tirasse os óculos. Guardou-os numa gaveta vazia e, por isso, pedi que não me esquecesse de entregá-los ao final – porque eu mesmo já os perdi diversas vezes; corria o risco de voltar para buscá-los, se lembrasse. Só havia no local o distinto barbeiro e uma senhora, pouco afeita a conversa – também um bom sinal para quem estava com o juízo atarantado de problemas. Logo percebi um detalhe crucial: os dois assistiam a um programa policial – qual salão que não o faz, não é mesmo? Nos primeiros dois minutos, ouviam-se tiros, correria e a voz do apresentador cheio de razão. “É, cidadão, não está fácil viver neste país. A bandidagem não dá sossego”. A questão é que não conseguia me concentrar no corte e, vez ou outra, escutava o sermão de agouro do locutor. O barbeiro tinha um quê de inteligência; não deu um pio. Em véspera de eleição, não se deve opinar sobre temas que tenham, de algum modo, relação com a política, porque há o risco de perder a clientela. Ele continuou muito atento ao corte, passando, hábil, a tesoura e o pente entre dedos e mãos. A fina tranquilidade foi abalada por uma senhora que apertou a campainha; era uma cliente imponente. Deu boa-tarde e andou, em passos lentos, ao encontro da funcionária. Pouco mais, escutamos o apresentador dizer: “A mulher, hoje, no Brasil, felizmente pode se vestir do jeito que quiser. Não tem esse negócio de machismo. Vamos acabar com isso, homens do meu Brasil, é uma vergonha ver mulher sendo agredida ou morta por homens ciumentos”. A fala fazia sentido. Não se pode negar os direitos das mulheres, à vida, à educação, a se vestirem como bem entenderem. Enquanto eu bolava alguma crítica na consciência, a cliente se mexeu na cadeira e rebateu o mouco locutor: “Não é bem assim, meu se-nhor. Mulher não pode andar de qualquer jeito, não, tem de se comportar. Não pode andar com os peitos e a bunda de fora!”. O barbeiro riu, baixo e constrito. Era uma senhora de idade. Eu devia respeitar a sua cultura do século passado e repassado? Permaneci calado, para a nossa paz. De súbito, mais uma notícia: um senhor teria ficado rico e pobre ao mesmo tempo. Explico: ele recebeu, em sua conta, por engano, uma quantia milionária. No ato, o homem correto informou o fato ao banco e teve o seu cartão bloqueado. A cliente saltou da cadeira e gritou: “Que homem burro, meu Deus do céu! Como devolver o dinheiro, meu senhor?! Eu teria ficado caladinha. Se descobrissem depois, eu diria: ‘Ah, é, não sabia!’, me fingiria de morta, gozando do ‘prêmio’ em Madri, onde minha filha mora. Isso é que é terra decente, de gente direita…”. O telefone do barbeiro tocou e não pude mais ouvir os abusos da senhora “direita”. “Oi, meu amigo, pode vir em trinta minutos. Estou terminando um cabelo e tenho que aplicar a tinta numa cliente”. Estando prestes a enjoar, perguntei ao barbeiro se faltava muito, ele respondeu que não, “só um segundinho, patrão”. Eu precisava, urgente, voltar para a minha toca e rezar para que um meteoro se chocasse contra a terra. Seria a minha salvação. “Sim, por favor, mestre, os meus óculos”, paguei e saí em disparada, com o barbeiro me olhando interrogativo, sobrancelhas arqueadas, querendo vislumbrar alguma nesga de expressão, para saber se eu voltaria.






Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com