Eu vou chamar o síndico! (parte II), crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__





(...Continuação)


É um tal de cachorro uivando, o dia inteiro, porque, adotado durante a pandemia, para fazer companhia – ô rima pobre – à solitária de nono andar, agora, após sua volta ao trabalho presencial, o Biscoito se tornou um inveterado solitário e pensa ascender a lobo. Para tal, treina diuturnamente no que é acompanhado pela matilha, residente anteriormente, nos aposentos condominiais. Estão fazendo sucesso, já pensam em montar uma banda “Biscoito e seus cãezinhos adestrados”! 


É morador do quinto e do segundo demonstrando gostos musicais ecléticos: o de baixo, chegadíssimo ao brega; é Waldick Soriano, Manhoso, Reginaldo Rossi, Evaldo Braga, Raimundo Soldado, Odair José, censurado nos anos de chumbo por tentar tirar sua amada que, como escreve o querido Ancelmo, trabalhava numa casa de saliência ou por pedir, a outra, que parasse de tomar a pílula. Também nada contra, respeito todos os gostos musicais, agora ‘sacudindo a laje’, em meio a uma reunião virtual com cliente... não dá! O outro, do andar mais alto, gosta de funk – o mesmo ‘blá-blá-blá’ do nada contra. Resolveram competir que ‘troa melhor a caixa, quem tem mais watts de potência nas ‘JBLs’ compradas no camelô da esquina. Isso sem falar que a dona de casa do primeiro andar acredita piamente que “em vinte minutos, tudo pode mudar”. Band News das 6h às 23h. Talvez ‘se’ ache o serviço de alto-falantes noticioso do condomínio. Vejo, ou melhor, ouço a hora que vai oferecer música no “Correio Musical Elegante do Marquês do Pinel”.


Nesta área temos uma professora de piano e suas aulas virtuais – já sei a escala de trás para frente e vice-versa, com seu metrônomo que mais parece o Big Ben londrino. O menino da cobertura, que não sabia, é guitarrista e a senhorinha do terceiro, cantora dos anos 1950 e 1960, e suas interpretações, dia sim, dia não, pela janela do prédio de canções de Vicente Celestino, Carmem Miranda, Dolores Duran e Aracy de Almeida. “...pois meu último desejo/Você não pode negar...”. Ah, posso, posso sim. Preciso escrever a crônica... o que posso fazer se a senhora não quer beijar mais? Talvez, se beijasse, manteria a boca ocupada, aliás, a senhora já notou como o seu João de 503 é simpático? Está solteiro; quem sabe...!


Que saudades que tenho quando os sons eram ‘a mais’, no máximo, dos fogos da comunidade anunciando o alvorecer para a ‘rapaize’, que a dura, numa muito escura viatura, já estava no portão.


Eu vou chamar Tim Maia.




Fotocrônica II , Carlos Monteiro







Carlos Monteiro
é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.