Folhas caídas, crônica de Valdocir Trevisan

 por Valdocir Trevisan__




Foto:Khamkéo Vilaysing


Não tem jeito, as teorias das indústrias culturais estão ao meu redor, sempre. Leio algo e insiro Adorno e Horkheimer e seus discípulos da Escola de Frankfurt nas discussões. Como agora, nessa crônica. Quase dormindo apreciando um texto onde o autor escreve que "assim como o vento sopra as folhas caídas, somos empurrados pelas circunstâncias e pelo meio ambiente".

Pronto, tá lá. Somos empurrados.


Quem empurra? Eles, sempre eles. George Orwell mostrou como eles agem.


E quando almejamos nos mover com nossos próprios pés, eles estão atentos e nem sempre percebemos os perigos alheios e seus processos demoníacos.


Eles vigiam e punem diria Michel Foucault. E impõem às avessas como opressores dissimulados que Pierre Bordieu frisou em suas teorias.


Estou exagerando?


Olhe a roupa que você está usando ou repare na sua alimentação. Eles estão atentos.  Os processos não estão isolados, fazemos parte.


Somos como folhas caídas dançando conforme o vento e somos empurrados.


O vento empurra, as instituições empurram e as mídias malditas comandam ideologias. Nossas vontades são jogadas para os subsolos. E se temos resiliências somos taxados de burros, terroristas e outros conceitos nada agradáveis. 


Lembram do filme "O Expresso da Meia-noite"? O prisioneiro para não enlouquecer caminha no sentido contrário tropeçando em seus infelizes companheiros.  Reúne suas últimas forças físicas e mentais em uma luta de zumbis.


Ainda  vivo, recorda as "meditações" de Marco Aurélio: "Que não sejamos manipulados como marionetes por cada impulso..." Evidente, cada contexto revela suas folhas caídas diante de palavras duras, semânticas e vírgulas. Vírgulas que podem somar ou diminuir teses das culturas industrializadas,  pois, como já disse, eles são terríveis. 


Eles são terríveis. 


Sempre haverá uma palavra, um produto, uma ideologia das forças ocultas, diria Jânio Quadros. Marx alertou ao simples mortal, sempre vai ter algo para o desavisado inocente.


Por outro lado, se estamos felizes, a desconfiança emperra a calma. O medo de estar sonhando assume corações pulsantes e o sonho pode ser irreal. Irreal e assustador, o sonhador não quer acordar, não quer olhar temendo o fim das ilusões. 


Lembro do conto O sonho do homem ridículo, de Dostoiévski, onde o personagem queria cometer suícidio, mas adormeceu e visitou um planeta onde todos eram felizes. Ao acordar percebeu que ainda poderia ser feliz. Era ele mesmo que causava sua tristeza. No seu sonho num mundo distante travou a alegria daqueles que amavam o próximo.


Talvez nosso sonhador ainda possa recolher as folhas caídas deixando as folhas do opressor longe de sua vista. 

Ainda restam esperanças para os homens da caverna de Platão terem coragem para ver o mundo lá fora...





Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: 
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