Filho Adulto, crônica de Anthony Almeida

 por Anthony Almeida__






Minha mãe me enxerga como adulto. Ter a consciência disso é uma novidade para mim. Comecei a trabalhar, num estágio de menor aprendiz, aos dezesseis anos de idade. Nessa época, e em toda minha vida anterior, desde que me entendo por gente, lembro que ela me chamava, quando vinha me dar carinho, de meu bebê. 


Começar a trabalhar e a namorar são dimensões do cotidiano e da vida de um filho que fazem com que os pais percebam que a adolescência do menino está se acabando. Aos dezoito, mudei de emprego, comecei a namorar, tirei o meu serviço militar obrigatório, fui cabo do exército por um ano. Meu rapaz — assim me chamava a minha mãe.


Aos dezenove, entrei na universidade, comecei a trabalhar num cargo público de um concurso temporário, tirei habilitação e comprei uma moto. Paguei sozinho as contas de água, luz e aluguel da nossa casa por uns dois anos. Seguia sendo o rapaz da minha mãe. 


Dei adeus a Caruaru e à casa dos meus pais com vinte e um anos. Mudei de curso e de campus na universidade. Fiz do Recife a minha morada por quatro anos, me formei, fui fazer mestrado no estado de São Paulo. Convivi pouco com meus pais quando vivia no Recife, menos ainda quando vivi dois anos em Presidente Prudente e mais cinco em Presidente Venceslau, onde tive mais alguns empregos e namoradas.


A distância e o passar dos anos me fez olhar com mais afeto e complacência para minha mãe e meu pai. Comecei a entender melhor algumas das atitudes, erros e acertos da vida deles. Comecei a sentir muitas saudades e desejo de voltar a conviver com eles. Desejo de compartilhar a minha vida de adulto.


Agora, aos trinta e dois, enxergo ela e ele a partir de uma posição bem diferente da época em que saí de casa. Minha mãe me chama hoje, carinhosamente, de meu filho. Adulto, criança, adolescente ou idoso, serei sempre filho dela. Filho deles. E é chamando de meu filho que ela me aconselha.


Não disse ainda, e vocês devem ter notado, mas, humano que sou, não tenho apenas as qualidades de um bom filho que estudou, trabalhou e deu apoio. Diante de meus defeitos e erros, mamãe — sempre mamãe, não importa a minha idade — vem, carinhosa, me aconselhar e me mostrar que os afetos permanecem ainda que nós, os filhos, façamos escolhas erradas em nossas vidas. O afeto e a compreensão permanecem.


Voltei a morar perto deles e minha mãe veio me dizer uma coisa bonita, apesar de ser uma repreensão feita não só a mim. Meu filho, não se guie pelos erros e defeitos do seu pai. Ele tem muita qualidade boa — me orientou, enquanto passava as mãos nos meus cabelos.


Este alerta me foi dado quando ela percebeu que eu repetia um dos erros e defeitos dele. Mesmo assim, ela ressaltou as qualidades. Foi muito bonito ouvir isso. Ele e ela me pareceram, depois disso, mais humanos — e mais amáveis. 


Não são mais aqueles heróis enormes que eu via quando era o bebê. Não são velhos chatos que eu-rapaz queria manter distante. São meu pai e minha mãe, adultos como eu. Com mais vivências do que eu. É um privilégio estar perto dela e dele novamente. É um privilégio voltar a aprender com ele e com ela. É um privilégio amá-los de perto.



Caruaru. Agosto, 2022.







Anthony Almeida
é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida