O bigode da raposa, crônica de Anthony Almeida

 por Anthony Almeida__






                                              

                  Manter um bigode é uma trivialidade para muitos homens. Acorda-se, lava-se a cara e uma lâmina de barbear é sacada diante do espelho do banheiro. No ritual matinal e diário, o homem retira os pelos novos que crescem nas bochechas e no queixo. Mantém-se o bigode. Amanhã será novamente este o ritual e o bigode vai ficando, ficando e, de vez em quando, é aparado nas pontas que entram pela boca. Mas, é ficando e ficando que ele passa anos na cara de um sujeito.

Manter um bigode não é uma trivialidade para mim. Desde rapaz, eu sempre quis cultivar uma bela barba. Meus contemporâneos colegas de escola tiveram seus bigodinhos e ralos cavanhaques antes que eu. Frustrado, achei que ficaria de cara lisa. Mas não. Três pelos apareceram, certa manhã da adolescência, no lado direito do meu queixo. Foi um dia feliz. Homem de verdade, sim, um verdadeiro homem, constatei sorridente, diante do espelho.

Manter um "cavanhaque" tornou-se não apenas uma trivialidade do meu cotidiano. Não, não. Meu cavanhaque anunciava a futura e bela barba desejada. Minha marcada cara de homem, com pelos no rosto, era mais do que uma trivialidade, era uma fascinante manifestação de virilidade e beleza. Cultivei-o. 

Passaram-se décadas — meses, na verdade — até que a barba mal cobrisse a parte que lhe cabia em minha cara. Desde então, mantive-a. Posso contar nos dedos as vezes em que a retirei — a esta altura barba de fato — inteira. Cavanhaque de bigode e queixo, outra variação, mantive poucas vezes — conto-os apenas com uma das mãos. Somente o bigode: nunca. 

Meu tio-avô mantém o seu bigode trivial faz muitos anos. Acho fascinante ter um tio-avô. Vovó e vovó, vovô e vovô já se foram. Me alegro ao ver o bigode sorridente do meu tio-avô. 

Um dos sorrisos deste bigode foi dado num espelho. Nos olhávamos antes de um passeio. É mais do que fascinante passear com um tio-avô. Diante do espelho, enquanto eu acariciava a minha barba, observei-o penteando o bigode com a ponta do dedo indicador.

— Tá bonito?

— Bonito que só uma raposa — ele, sorridente, respondeu.

A raposa é um bicho lindo e meu tio-avô não é só meu tio e meu avô, é uma bonita raposa de bigode branco.

— Meu filho, se você tirar a barba, e deixar só o bigode, vai ficar muito elegante.

Sorri. Sou apegado com a barba que sempre quis ter, confesso. Desconversei e continuamos o passeio. 

Agora, dias depois, sorrio de novo. Sorrio e, enquanto me preparo para encontrá-lo outra vez, acho mais do que fascinante ter um tio-avô raposa que vai reencontrar o seu sobrinho-neto cultivando um elegante bigode.


Caruaru. Agosto, 2022.







Anthony Almeida
é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida