O dom de fingir, poema de crroma

por crroma__





Arte Digital: Jr Korpa



O dom de fingir


O homem branco da porta branca

sabe-se fingimentos.


Faz humor, faz piada de tudo

o homem branco da porta branca.

Não vê consequências ao humor

a não ser render-lhe dinheiro e fama.


E finge não desfrutar de privilégios

quando faz rir de outros.

Finge a suspensão de preconceitos

em um mundo alvo cegante.


O homem branco da porta branca finge

que a desigualdade está somente do lado de fora,

exibindo-se despudoradamente debaixo dos viadutos.

A desigualdade não é ele, respira ele,

brilha em sua dentição tratada,

transpira ele, pensa ele em sapatos,

funde-se nele enfim

como em todo aquele que se diz

brasileiro.


As mãos (fofos algodões),

os dedos filamentosos do homem

branco da porta branca

amassam discricionariamente a matéria da vida.

Para extrair da condição humana gargalhadas,

para extrair de tudo, ainda que da cor da pele,

da pobreza e do gênero, do sobrepeso,

do sexo, de limitações motoras etc etc. 


Fingindo que, pelo humor,

nos amamos uns aos outros

enquanto se deleitam as plateias.








crroma é um poeta mineiro e brasileiro nascido na década de 1970. Entre 2008 e 2022, publicou 7 pequenos livros de poesia através de edições do próprio autor. Mantém o endereço eletrônico “crroma.art.br”, onde publica alguns rascunhos e realiza uma seleção de poesia brasileira.