por Jairo Garcia__
Eu, somente eu, com a minha dor enorme. Os
olhos ensanguento na vigília! E observo,
enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília.
Meu coração, como um cristal, se quebre
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!
Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.
Trecho do poema “poema negro” do livro de
Augusto dos Anjos.
A
bebida látego doce, profana os lábios de Miguel. Penetra a dimensão erótica
premedita uma surra. Há insurreição mística imoralidade encantada na sua
submissão.
Levanta catedrais de palavras para esconder o sexo deplorável, onde o amor sem dó, nega todas as profecias ao rapaz delicado.
O noviço moreno transbordando versos obscenos queima castigado aos pés do Senhor. Apenas a alma ausente percebe comovida seu infortúnio mais ninguém. É porque “o jovem não é um poeta, mas uma vítima da poesia”. Os olhos languidos de dândi desafortunado flertavam os marinheiros no navio continental. São estrelas caídos, diria.
Seu diário era a
descrição atormentada de um ser duplo atingido pela culpa. Um demônio
incandescente massacrado pela pureza ou um anjo de fogo corrompido através da
violência. E aos poucos o inumano adolescente sucumbe a jaula aberta. É a velha
promessa de redenção cristã. A salvação pelo pecado.
Suas mãos esgotadas
despencam entorpecidas na segunda página do livro, As Flores do Mal.
Quero
sufocar-me.
De volta da América
eu e Miguel estamos exaustos na vila medíocre. Deitamos indiferentes no terraço
frio dessa casa de momentos. O lago, os pássaros, a terra árida, todos os
elementos da natureza conspirando a canção amarga do exílio: “Hay um dolor de
huecos por el aire sin gente y em mis ojos criaturas vestidas! sin desnudos”
Sigo contemplando
mil maneiras de encerrar minha vida perseguida, a aventura subterrânea, o poema
denúncia, bem ali diante da árvore sobrenatural que insiste em humilhar com seu
verde agressivo minhas últimas resistências. Adormeci e sonhei: era uma tarde
de cores furiosas no céu, o vento marrano açoitando meus quadris erguidos em
cima da cama cuberta de sol que por hora voa meu sangue maldito devorado pela
língua indecente de Miguel no meu ânus.