por Anthony Almeida__
Pegou a toalha, dobrada sobre o tamborete, e foi até o banheiro. Verificou, de passagem pela cozinha, o calendário de parede. Em Caruaru, a água na torneira obedece a lógica semana sim, semana não. Era semana sim. Pendurou a cueca-pijama, mirou a cara estremunhada no espelho e curtiu uma boa chuveirada. Acordou de vez.
Roupa vestida, mochila arrumada com a pequena bagagem cotidiana, contou o dinheiro na carteira, dava para o dia. O cartão do Leva, vale transporte eletrônico, também tinha crédito suficiente para pagar a passagem do ônibus.
Voltou à cozinha, precisava tomar café antes de subir ao ponto. Bateu um prato de macaxeira com carne de sol acebolada e umas gotas generosas de manteiga de garrafa. Antes de sair, abriu a geladeira, fisgou uma seriguela gelada na bacia e foi-se.
Roeu a fruta e o caroço, sem polpa, rebolado na boca, cuspiu para cima. A seriguela chupada escreveu um arco e pousou certeira num chute, na ponta do all-star vermelho, que a arremessou no telhado do vizinho.
Ouviu o teco no teto alheio e subiu a rua na carreira. Ligeiro, ligeiro. Fugiu duma reclamação. Ou de coisa pior. Terminou sendo uma corrida providencial, se tivesse ido andando, perderia o ônibus, que, na hora da sua chegada, embarcava o penúltimo passageiro da parada.
Caruaru. Janeiro, 2019.
Anthony Almeida é professor, escritor, editor-adjunto da RUBEM – Revista da Crônica e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado em Geografia Literária na UFPE, campus Recife, sobre o tema ‘Dos lugares ao mundo vivido-escrito: leituras e escritas na crônica brasileira’. É autor do livro Um Pé Lá, Outro Cá (Aboio, 2023) e cronista dos portais Mirada, Cena e Aboio. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida