Que Brasil queremos? | Susane Ribeiro

 por Susane Ribeiro__




Fotos: Gisele Carvallo


De uns anos para cá, o povo brasileiro clama categoricamente por mudanças. E vimos veementes transformações, ao ponto de polarizar o país. De um lado, um patriotismo desfigurado, que se apropria de símbolos nacionais em nome de paixões ideológicas extremistas. De outro, a ressignificação do novo que, apesar de não ser tão “novo”, ainda é um alento para a nossa incipiente democracia. Metamorfoses não são fáceis. Para isso, é necessário fazer a diferença. É enxergar na obscuridade. Ao mesmo tempo, é conhecer e se reconhecer num processo de autoavaliação, apontando aquilo que pode e deve ser melhorado.


Foi nessa perspectiva que o escritor Lima Barreto nos apresentou o major Quaresma em seu romance Triste fim de Policarpo Quaresma. Do início ao fim do romance, o personagem luta por mudanças. Um sujeito incompreendido, cujos traços lembram outro personagem icônico da literatura, Dom Quixote, avalia a realidade de um Brasil, de início de século XX, consumido pela ignorância, pela mentira, pela indiferença. Tentou fazer a diferença e movido pela sua crueza, foi acusado de louco e desequilibrado e nada poderia ser mais atual no Brasil e no restante do mundo, uma vez que as pessoas que resolvem questionar o status quo, que as marginaliza, são taxadas de loucas, desrespeitosas, radicais.

E as mudanças pelas quais lutava eram motivadas por um sentimento nobre: o de ser verdadeiramente patriota. Tal patriotismo, sentido por Quaresma, não condiz com a transmutação que vivenciamos ultimamente. Trata-se de reconhecer as qualidades da nação, o que ela tem a nos oferecer de melhor e não a consagração da incivilidade que o “ser patriota” refletiu no Brasil nesses últimos anos.

E esse patriotismo, sentido por Quaresma, é ressignificado no teatro pernambucano. Com autenticidade, o ator Alexsandro Souto Maior, sob direção de Quiercles Santana, trouxe para o palco do Teatro Apolo o verdadeiro sentido do que é ser patriota, desconfigurando assim a errônea caracterização do amor à pátria que nos deparamos.

Além de explorar temas que geram mal-estar e, consequentemente, difíceis de serem lidados pelo homem, como saúde mental, cujas particularidades são desconhecidas por muitos, o espetáculo Quaresma é uma questão de coragem, parafraseando o filósofo italiano Giorgio Agamben, considerando assim a contemporaneidade da obra dramática e sua relação com o nosso tempo... Coragem do ator (que também assina o texto dramático) em permitir desvelar-se e, movido por uma “inundação esmagadora de vida”, como diz Deleuze, incorporou o personagem de Barreto, envolvendo o público a cada ação; coragem do diretor, que com maestria soube conduzir cada cena que, por sua vez, gerou inquietações a quem prestigiava e; toda equipe, que perfeita e sincronicamente soube executar cada efeito (luminoso e musical, principalmente).

Seja na literatura, seja no teatro, o Brasil carece de mudanças. Mas, para isso, precisamos mudar o modo como vemos e agimos. Para mudar uma nação, é preciso mudar quem nela vive, e repensar o que se realmente quer. Afinal de contas, que Brasil queremos?







Susane Ribeiro
- Maranhense, nascida na Ilha do Amor (São Luís) e apaixonada pela terra natal. É professora de Língua Portuguesa, servidora pública, Mestra em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Estadual do Maranhão e pesquisadora da área de Literatura, cujas temáticas envolvem os estudos de memória, teoria do espaço ficcional e percepção da paisagem. Atualmente é doutoranda em Letras (Teoria da Literatura) pela Universidade Federal de Pernambuco.