Uma puta em chamas, um conto de Jairo Garcia

 por Jairo Garcia__




                                                                     
O ciclone devasta todo o mês de Agosto. Enquanto na sala diante da praia


Helena absorve o robô luxurioso de dentro da vagina. Máquina  ciclopica quentinha, destilando tesão, nada de mutação, dor ou amor. Apenas uso de resistência elétrica extasiante. A nova carne.


O futuro é uma convenção óbvia e desértica.


E minha vida demente reluta em destruir premissas tão indesejadas:  cooptação religiosa e medo do fracasso íntimo.


Tenho um olho que funciona razoavelmente em pulsão oblíqua e um pulmão cheio de alcatrão.O resto é uma tentação agônica para um tipo de bondade alquebrada, erotismo desengonçado, aflição de espírito.


Ela feroz feliz em determinar as regras do relacionamento antes mesmo que essas regras capitulem no ato fuderoso de meter, meter meter, encosta a boca languidamente na minha virilha, sucção em camera lenta do talo até a cabeça. Quer me querer, me fuder, celebrar meu corpo embaixo do seu, mas mesmo por cima, Helena empalada no torno não era presa inescapável. Lugar de comoção. Os cabelos pretos enovelam nas minhas pernas uma estória de dor e entrega. A consumação de que se derrame sobre mim, urina e êxtase é graça evidente. Embora semi morta, época da mudanca de gênero, ela poucas vezes esteve comigo na cama estando realmente comigo sem que nada confudisse a autenticidade de sua presença. Sempre tinha alguma coisa na cama além de mim e ela. A ausência de sentido era tangível.


A violência infiltrava-se. Você chorava e ria. E juntos devoravamos uma década inteira. Depois íamos correndo dormir ao relento perto das árvores frondosas e perfumadas das mangueiras, para que ao sonhar sentindo cheiros  vegetais animais, peles telúricas envolvendo o ânus e a língua, morressemos um ao lado do outro, feridos gozados, dois suícidas cômicos disfarçados de pirata e bailarina prontos pra incarar a brincadeira  catártica do carnaval.


À parte disso, tenho em mim as vicissitudes de quem se dedica à arte. Os quadros desafortunados de Egon Shielle que senti,  poemas ensurdecedores de Afonso Henriques Neto vistos precocemente, filmes de Júlio Mendem, siderais emolduram no meu céu, um destino contrafeito para perdição. Amar o invencível. 


Chegamos próximo da tempestade. Estamos no meio do nada e tua bunda quente esfregando em mim, dedo na boquinha. Era pra ser desse jeito, falsainocente. Lascívia ininterrupta. Os peitos enormes ericados no meu rosto prometendo desejos infantis.Tu gemendo gemendo pedindo pra socar de quatro na tua buceta de gosto de ostras com aquela voz de menina, induz à fuder ainda mais até desaparecer em bolhas vindas de outras eras.


Cara de quem mete gostoso. Sexo sem fantasia é fricção.


À noite meu digníssimo  filho da puta era planejar com que passado eu manejaria essas aspiraçãoes, que vinham cada vez mais serenas e inconciliáveis.


Quero viver morrendo sem perceber.


O que fiz de nós até agora? Fui cruel em arquitetar a revolução dos ressentidos? Plexus solar em espiral nos que se preparam para insistir em resistir! Pensamentos de aniquilação total, só pra ver no que ia dar!


Restava a distração burguesa de teorizar sobre as injustiças sociais rasgando minha carne com a determinação de um profeta acadêmico. Fustigar minhas tibias vontades domésticas  com realizações sexuais trazidas do oriente.


Mas não seremos o começo de uma revolução que já existiu e desapareceu! Seremos apenas um sonho desperto.


Vingarei as humilhações, as agressões sofridas por você Helena, pelos inaptos de toda natureza.


Mas, pobre de mim resignado, cansado, no meio do combate, precisando de coragem, paraliso e caio com as mãos para o céu suplicando por mais culpa. Mereço uma morte lenta e trágica. Adormeço entorpecido e prorrogo o dia do motim. Agora é ser o que poderia ter sido se não estivesse hipnotizado. Reinventar o universo começando com o onírico.


O que resta? Ver o desmoronamento de minha vida sem permitir que nenhuma pessoa interfira na autodestruição do meu mundo dramatizado pelo cinema. O conformismo na encenação fica latente quando fico com medo. Medo é arte feita por atuações amadoras. Faço uma projeção nublada do amor erguendo-se diante da opressão, através da literatura marginal criada por nós, vítimas  do  apocalipse capitalista. É a única revolução que se pode sentir no fundo do coração, à  revolução  intima. As leis da física gravitando sob as esculturas de Stockinger, a força da religião tentando destruir o livro lindo de Judith Butler, a magnetude hipnótica através das coisas jazzísticas da cantora Ava Rocha. Nada é maior que arte deliberada do desejo de morte. Tudo acontecerá. Nesse momento as harmonias socias e corpóreas cheias de ânimo sucumbem em fusão.


Um ritual de iniciação às avesas. Um golpe fatal  em qualquer sociedade  onde crianças são tratadas com exploração  violência desdém. Há mais tristeza na tragédia do que alegria na comédia. Compaixão  por todos que jogam o jogo da vida e perdem. Não há prêmio de consolo em chegar por último na arte de ser humano. Caminhado com jatos propulsores invisíveis.


O enigma é um nada fortuito. 


Numa mão, um livro inesquecível, O Fogo Liberador de Pierre Levi, na outra, o punho cerrado inspirador, apontado pra cima, que iluminará você pra sempre Helena.



Jairo Garcia - Abril de 1976. Entre Mágoas pernambucanas, nasço. Ex professor ex vendedor ex imigrante ilegal ex inumano. Hoje pai de três pets, vivo deliciosamente vendendo churros na cidade mais oriental do Brasil: João Pessoa PB. Sem pressa de sair do anonimato, resolvi escrever por achar que a vida não basta e as palavras operam mistérios. Meu estilo é uma prosa poética herdada das crônicas líricas e existênciais de Paulo Mendes Campos, a força das narrativas labirínticas de um Osmam Lins com a poesia visceral de Afonso Henriques Neto o erotismo de  Roberto Piva com o cinema surrealista de Darem Aronofsky e a música nostálgicamente eletrônica de Depeche Mode.