Explorando as Múltiplas Camadas da Narrativa: Uma Conversa com Jamyle Dionísio

 por Divulgação__



                   
Em seu livro de estreia, "Secante" (Editora Letramento/2023), Jamyle Dionísio nos leva a uma jornada intricada através de uma única narrativa surpreendente. Cada história é uma peça essencial tecendo uma tapeçaria de personagens e eventos que atravessam décadas e continentes. Nesta entrevista, mergulhamos na mente criativa de Jamyle para descobrir os segredos por trás de "Secante" e explorar o panorama literário contemporâneo, especialmente no que diz respeito às vozes femininas.


1 - Fale-me sobre Secante (Editora Letramento/2023) que é seu primeiro livro. Quando foi que ele começou a ser gestado dentro de você? Fale sobre a narrativa que está no livro. 

  

Secante é um livro de treze contos que fazem parte de uma mesma narrativa de fundo. Cada história, cada ponto de vista é uma peça de um quebra-cabeça maior. Escrevi todos os contos em poucos meses, após passar um ano inteiro trabalhando em um romance. Eu queria descansar desse projeto maior de escrita, explorar novos ângulos, conhecer melhor os personagens secundários. E daí nasceu Secante. O romance originário é narrado por Constança, mulher criada pelo pai e pelo companheiro dele. Em Secante, é esse companheiro, Marcos, que começa a contar a sua história em meados dos anos 1980. Em seguida, avançamos e recuamos no tempo para conhecer a mãe desaparecida de Constança, um gato preto chamado Alphonsus, uma máquina de escrever. Viajamos pelos anos 1990 e chegamos às fatídicas eleições de 2018.


2 - Acredita que hoje as vozes literárias femininas, principalmente as mais contemporâneas, estão conseguindo o merecido reconhecimento, ainda que tardio? 


Ainda falta muito para esse reconhecimento. Sei que nos últimos cinco, dez anos, as escritoras ganharam um espaço e tanto, mas tivemos que meter o pé na porta desse mundo literário tão restrito, tão masculino e sudestino, tão branco. Percebo que ainda somos lidas por uma maioria de leitoras também mulheres. Não só pela solidariedade nessa luta, mas porque temos uma sede muito grande por narrativas que tenham a nossa voz. Ainda adolescente, cheguei a me questionar se não devia ter nascido homem para escrever, já que a maioria dos livros aos quais tinha acesso eram livros escritos por homens. Eu não tinha muitas referências. Aos poucos descobri que eu tinha uma voz própria, mas confesso que é ótimo ter acesso, hoje, a tantas outras vozes femininas.


3 - Ainda neste recorte, você participou da antologia de contos Imagens de Coragem (Editora Patuá/2023) com autoras de todo o país. O livro foi lançado inclusive na última Flip, em Paraty. Como foi esse momento na sua carreira? 


Foi a minha primeira Flip, e não podia ter sido uma estreia melhor! A antologia foi organizada pelas queridas Isabella de Andrade e Tatiana Lazzaroto, escritoras fantásticas, e reúne contos de escritoras convidadas e contos selecionados em chamada. Mandei o meu conto sem muita esperança. Não porque ele fosse ruim, mas porque eu passava por um período difícil na vida, esses momentos que contaminam tudo, inclusive a nossa confiança em nós mesmos. Descobrir que fui selecionada para a coletânea foi o meu resgate. E me fez entender que eu não posso parar por uma questão de sobrevivência, porque é a escrita que me salva. E o lançamento foi belíssimo, repleto de mulheres fortes, lindas em todos os aspectos. Ouso dizer até que o céu se abriu para nós naquelas horinhas do lançamento, já que chovia tanto em Paraty. Basta conferir nas fotos!


4  - Quais são suas leituras agora? Fale sobre qual ou quais livros você leu nestes últimos meses. 

Minha escolha por autoras mulheres têm sido natural, não forçada. Como acabei de me mudar para a Suécia, tenho explorado a literatura escandinava. Descobri que uma grande escritora sueca, Karin Boye, morou no mesmo prédio que eu, e tenho explorado os poemas dela e uma distopia incrível, Kallocaína, que ela publicou em 1940. Mas trouxe na mala minhas queridinhas brasileiras: Giovana Madalosso (Suíte Tóquio), Micheliny Verunschk (Caminhando com os Mortos)… agora estou lendo Estela a esta hora, da Natália Zuccala.


5 - Você, neste momento, mora e trabalha fora do Brasil. Como isso impacta sua escrita? 

Morei nos últimos cinco anos em Nova York e agora terei mais cinco anos em Estocolmo. Já passei períodos mais curtos na Mauritânia, Líbano, Israel, Irã… Cada lugar me adiciona algo, é claro, mas eu nunca deixo de ser uma brasileira no mundo. Até pouco tempo atrás eu só conseguia escrever histórias que se passassem no Brasil. Acho que foi um jeito de lidar com a saudade. Mas depois os cenários foram se ampliando, porque cada lugar que eu conheço, cada solo em que eu vivo, me afeta e me transforma. Cada vez mais a frase de Clarice Lispector me define: “Sou um coração batendo no mundo”.


6 - Quais são os seus próximos passos como autora. Já temos um novo livro sendo escrito? 

Tenho um romance pronto, ainda não publicado. E nunca parei de escrever contos… Mas Estocolmo tem me dado novas ideias. Um romance que estou gestando, que tem crescido em parágrafos nas últimas semanas. É uma história que se passa aqui nessa cidade, mas em certo momento pensei: E se essa história fosse contada por uma pomba gira?


7 - Por último, gostaria que você deixasse um recado para nossos leitores e leitoras sobre como devemos ler a literatura feminina produzida hoje no Brasil e no Mundo? 

Meu conselho é: experimentem! Pensem na possibilidade de descobrir uma literatura nova, produzida pela outra metade do mundo que teve a voz sufocada, a humanidade negada por tantos séculos. Temos muito a dizer. Mas agora não queremos apenas dizer, queremos ser ouvidas. Então, por favor, nos ouçam.




Jamyle Dionísio nasceu em São Paulo em 1984. Graduada em Ciências Sociais. Tornou-se servidora pública do Itamaraty. Viveu em lugares díspares como Mauritânia, Irã, Brasília, Líbano, Nova Iorque, Israel e neste momento trabalha, vive e trabalha em Estocolmo, na Suécia. Lançou seu primeiro livro de contos na FLIP 2023, de título Secante. Participou da coletânea Imagens de Coragem pela Editora Patuá também em 2023. Siga a autora no Instagram: @jamyle.dionisio