POR QUÊ O FRESCOR O REGATO RUBRO | CINCO POEMAS INÉDITOS DE MANOEL T. R.-LEAL

 por Manoel Tavares Rodrigues-Leal__






“O pintor, o mocho e o modelo” — Pincel e tinta da china em papel (c 2004)–© Luís de Barreiros Tavares


a Taciana Oliveira


Die Ros ist ohne warum;

sie blühet, weil sie blühet,

Sie acht nicht ihrer selbst, 

fragt nicht, ob man sie siehet. 

[A rosa é sem porquê. / Floresce porque floresce. / Não tem cuido de si, / não pergunta se alguém a vê]

Angelus Silesius


I

Por quê o frescor o regato rubro

.

por quê o clamor quando se trama a rede

.

a sede de amor 

.

.

quando se acena a nua tarde

porquê tu e a tua viagem se anularam por quê

.

.

.

.

agora não há disfarce

___________________ o hálito

a bestialidade

.

.

e o cavalo veloz e azul 

________ da madrugada.


Lx. 21/7/82



Manuscrito do poema I. Os versos quinto e sexto encontram-se na vertical. Afiguram-se mais um acrescento. 

II

Acresce ao passado este desgaste,

este segredo precoce: o que a vida, morrendo, nos oferece…

Lá fora, o Verão desliza e aquece, ou esquece?

Minha vida é puro desastre,

longínquo e perto, como acenar à manhã que se tece?


Lx. 22/7/1982


III

Gato Lord II


Vulva, a uva de nosso sono:

intempérie de amor…

e sorrio, ouço o nono 

ruído, à beira dum puro regato.

E agora o gato,

amigo, desagua na memória, com recato…


Lx. 13/8/1982


IV


A minha sede de beleza

não contém fronteiras:

existe e permanece

como um ser que floresce.


Lx. 14/8/1982


V

Caminho exacto,

sombra suspeita,

sémen que exalto

quando a noite se deita.


E. pontual, a melancolia desce

sobre a flor que fenece.


Lx. 14/8/82



*


Três publicações recentes com poemas do caderno Apontamentos Poéticos (revistas Triplov, Caliban e Mirada)


https://triplov.com/leio-o-teu-rosto-releio-o-como-a-simetria-dum-seio/?fbclid=IwY2xjawJiKqhleHRuA2FlbQIxMQABHkvg_8izTMISuvn6csaioea4N0i6hqucD1zyjqs_fWMSV5XchKingGTDqkWe_aem_OLHveP-bgkHsiy1qGxVo_A


https://revistacaliban.net/a-curva-do-teu-seio-engendra-a-p%C3%A9rola-do-dia-b575d786b66b


https://www.miradajanela.com/2025/03/e-o-azul-branco-do-teu-olhar-cinco.html


_________




*Cinco poemas coligidos do caderno Apontamentos Poéticos (1982) por Luís de Barreiros Tavares





Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941–2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. Trabalhou na Biblioteca Nacional como “Auxiliar de Armazém de Biblioteconomia”. “A minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro”, A Duração da Eternidade (2007). Publicou cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram terrivelmente trágicas. Caído no quarto, morrendo absolutamente só no Natal e passagem do Ano 2015–2016.