por Adriano Espíndola Santos__
Não fui ao velório de Assis. Ele não era meu amigo chegado. Também, não gostaria de vê-lo nessas condições. Na verdade, acho que Assis não tinha nenhum amigo chegado. Dizem que morava só há anos, depois do falecimento da esposa, dona Berenice. Cheguei a conhecê-la, afinal mora há trinta e dois anos na mesma casa, em frente à sua. Uma senhora muito distinta, amigável, muito diferente de Assis, que sempre foi carrancudo. Poucas foram as vezes em que bati um papo com Assis, especialmente para falar do melhoramento da nossa rua, do nosso bairro, mas raro lhe interessava; o que lhe cabia, pelo visto, era das paredes de sua casa para dentro. Ele tinha uma bela casa, diga-se de passagem, mas que com o tempo passou a ficar muito desgastada, justamente logo após a morte de Berenice. Falam que o casal não tem filhos, mas ouvi dizer que um filho morava fora, na Suécia, e que não teria mais interesse em relação aos pais e aos seus bens, a que tem direito. Assis foi morrendo aos poucos. Já não saía muito de casa, e, quando o fazia, ia com a ajuda de uma sobrinha, a única que lhe prestava socorro nos momentos difíceis. Algo relevante, que cabe relatar, é que Assis bebia todos os dias, creio, porque ele saía de casa rumo ao boteco e voltava embriagado, algumas vezes, se escorando nas paredes, como um bebê recém-nascido. Tive pena uma vez e o levei até a sua casa, ou melhor, até o portão, que por sinal estava aberto. Os cachorros haviam fugido, nesse ínterim, procurando, talvez, alguma melhora. Depois de três dias, apareceram de volta. Dona Lindalva, a vizinha da frente, os acolheu e deixou uns dias em sua casa, até que Assis estivesse recuperado – segundo a sobrinha, o homem estava com uma severa gripe. A verdade é que Assis era de uma família abastada, sendo seu pai dono de uma grande fábrica de produtos para cozinha, segundo Lindalva. Ainda, Assis teria trabalhado longos anos como representante e subdono; era, como se diz, um filhinho de papai, adulado e caviloso. Cresceu num mundinho só dele, por isso dona Lindalva acredita que Assis se distanciou da realidade; não lhe convinha conhecer nada do que se passava pelo globo, porque era amparado completamente pela mãe e pelo pai. Casou-se com Berenice por pura sorte, uma mulher que o colocou na linha, da melhor forma que pôde. Assis não tinha amigos, não tinha parentes; afora a sobrinha — que não sabemos bem se o era —, não tinha paradeiro, apesar de ter uma casa ampla e bem arrumada. Quando a polícia chegou, para averiguar o caso, pude entrar e conferir. A casa era cheia de passagens secretas, escura, com quase nenhuma iluminação sequer na cozinha. Era, como se diz, uma casa de Conde Drácula. Era, sim, um local difícil de se viver. Eu queria ter a oportunidade, nesses últimos dias, de dizer que o queria como amigo, e que poderia contar comigo. Assis não me deu oportunidade. Assis não quis ter oportunidade de nada, numa vida simplesmente passageira.

Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com