Ainda estamos aqui: saúde mental, solidão urbana e a coragem de continuar

 por Mario Oshiro* |


Trecho do HQ Achados & Perdidos

Se você já viu “Black Mirror”, conhece bem a sensação: aquele frio na espinha ao perceber que sua realidade já tem plot de episódio pronto.

Durante anos, minha vida foi guiada pelo ritmo impessoal dos vagões do metrô de São Paulo. Era uma rotina que eu conhecia bem. Todas as manhãs, eu era apenas mais um passageiro anônimo sendo arrastado por uma corrente humana invisível, fluindo em ondas pelas plataformas apertadas, embarcando em vagões que mais pareciam cápsulas de ansiedade coletiva. Com fones de ouvido tentando abafar o caos exterior, eu observava aquele mar de rostos cansados, todos parecendo pequenas ilhas isoladas, distantes umas das outras mesmo quando seus corpos quase se fundiam pela proximidade.

Estava cercado e, paradoxalmente, isolado. Eu com eles. Eles comigo. Eles dos outros. Nós de nós mesmos.

Naquela época, eu me perguntava quantas histórias cabiam por trás daqueles olhares perdidos. Quantas angústias estavam disfarçadas sob expressões apáticas e gestos automáticos como se todos estivessem no modo avião, mesmo em movimento. Com o tempo, percebi que aquele vagão lotado era, na verdade, um excelente retrato da nossa relação com a saúde mental: juntos, apertados, dividindo o mesmo espaço físico, mas emocionalmente cada um em sua aba de navegação anônima.

Falar abertamente sobre ansiedade, depressão ou crises existenciais sempre foi desconfortável para muitos. Essa resistência transformou tais questões em tabus, obrigando muitos a enfrentarem suas batalhas silenciosas como passageiros solitários, mesmo em vagões lotados.

Beleza, sejamos sinceros… A verdade é que seguimos por aí: ansiosos, confusos, tentando parecer inteiros. Porém, ainda estamos aqui - sobrevivendo, tropeçando, recomeçando. E talvez esse seja o grande lance de “Achados & Perdidos” e muitos outros livros: mostrar que, mesmo quando tudo parece embaralhado, a gente nunca caminha completamente sozinho. Alguém, em algum lugar, escreveu exatamente o que a gente sente, e isso basta para seguirmos mais um pouco.

Talvez o que realmente procuramos sejam espaços onde nossas perguntas difíceis possam existir sem o peso do silêncio, lugares que abracem nossas incertezas com naturalidade.




* Mario Oshiro é escritor, formado em Comunicação Social, com especialização em Roteiro para TV, Cinema e Novas Mídias. Sócio da produtora Lobo Criativo, ele se dedica a produções e coproduções para TV e cinema, com mais de 70 projetos no catálogo, vários deles premiados e reconhecidos. “Achados & Perdidos” (Skript Editora, 160 págs.) é a primeira história em quadrinhos do premiado roteirista junto com a ilustradora mineira Dominic Amaral