Poemas de Revezamento Secreto, de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva



Flashes ingratos



Procuro aquela fome no terraço,

o portão mudo de madeira

de frente ao pé de cajá sem

estalos no zinco de pingos.


Fuço a vez que o circo de lona

veio cobrir meu medo de palhaço

e me vi preso na corda bamba

flutuando sobre as cabeças.


Rapto o desespero da pressa

de chegar o dia do presente

alumiando a angústia distante

da compreensão impotente.


Lambo a pujança da surra

quando perderam o cadeado

e assumi a culpa de correntes

roçando cada célula revolta.


Aspiro as rodas da carroça

levando toda minha vida

reunida em livros e cacarecos

ainda cobertos por aqui.



Precisão do tempo



Estamos ainda aqui 

guardados do aguaceiro 

mas quem se importa 

num teto ou marquise

palafita ou carro velho

o cuidado é de estar

enxuto ou de ter meio

de se agasalhar sempre.


As janelas pingadas 

dos olhos úmidos

e as pernas esticadas

no lodo que previne

os passantes sérios

donos de uma casa

com portas de cílios.


Como prever o abandono

se quase certeiro rompe 

os pontos do corte fundo

de qualquer mudança

econômica ou vascular

que nos guerreia a paz 

sem pomba no temporal.


Nada resta se a neblina

brinca em dedos enrugados

e o dilúvio é esquecimento

sem arca de consequências

e até homens brutais presos

pra não me eliminar da terra

têm o direito pra espremer 

limões nos sovacos libertos.


É precisão dizer meu fim

nos papelões secados ao sol

que aquece e nunca entrega

o calor do telhado de uma casa

que mata de queda em degraus

onde só possuo os da igreja 

não frequente ou o da calçada

que deito qual essa água.




Monólogo de Ana C.


A esta crise não serei forte mais que o mundo
lançando umas perdas confundidas com pedras,
fere o casco sem chance de ter sido eu enganada,
que esta dispersa tensão em mim guimba, poeira.

Passo-me nesta vidraça, e compenso um ensaio
com equilíbrio de riscar tudo perante o desleixo,
e sozinha ficar sabenças no futuro fóssil do baque.

Oscila a vida e pendura uma neste meu cabide
de magrinha saboneteira, caindo no banho fluvial,
no cimo dumas colinas inda superfície,
parentes aos que tenho por meus.

Levo o galardão frígido da viela em carta posta
na secretária lá em cima, e, sã como Sylvia Plath,
exoneradas adoçamos sentido à borra perdida.




Bendita inveja


Dos que dormem 

e nada possuem
a não ser letargia, 

distância de tudo
sem sentir prejuízo 

na sua feliz defesa 

que o recalque

finca e preserva.

Dos que recobram 

só quando clareia
e têm suas fácies 

pra tirar remela
que fácil amolece 

com água corrente
pra saírem espertos 

a fumegantes cafés.

Dos que retornam 

primeiro para casa
e ficam satisfeitos 

onde o ninguém
fica por estimação

e a exemplo louva 

o tédio de a si

se esquecer.

Dos que se chove

vibram agasalhados
por não culpar nada,

nem a depressão
que exclui das ruas

os mais procurados

pelos que se deixam.

Dos que se vão 

para que lamente
na viagem de túneis

a dúvida da certeza
de nada ter além 

do habitual vago
que esfacela olho 

gordo de viver.



Atolados no mangue



Os postes acendem

o que resta das sombras

na curva do esquecimento.


O luar inventado

não toca os poros

de quem desfez a espera.


Entre um gole e outro,

escrevem-se naufrágios

em papéis úmidos de tempo.


O Jaguar desliza,

mas a estrada se dobra

antes da chegada.


No fim, o peso é desigual:

quem perdeu tudo flutua,

quem nunca perdeu, afunda.



Estratégia para adiar a morte



Registro aqui cada movimento

mas já sem perseguir mortais,
não me levanto e nem vou atrás.
No desalento desta existência
estou tísico com esta poeira,

mistura de podridão e caos.
Permaneço aqui, inerte e no abate,

vendo mudo o curso perdido.
Voyeur sou um espectro dos regos

fundidos no mais terno encaixe,
deixando para trás as ânsias vãs.
E se acaso algum dia eu me erguer
será para brindar a noite no cais. 


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João Gomes da Silva nasceu no Recife–PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como GranjaSub-21Capibaribe vivoTente entender o que tento dizerNo entanto: dissonâncias, etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta. Revezamento secreto é seu primeiro livro de poemas.