por Luciana Palhares |
E se desaprender fosse a chave para reconstruir sua própria história e viver com autenticidade? Em tempos em que nos sentimos perdidos, desconectados de nós mesmos e sobrecarregados pelo olhar alheio, é urgente olhar para dentro, cuidar da própria mente e do próprio coração.
No Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre saúde mental, refletir sobre autoconhecimento, vulnerabilidade e escrita como resistência é essencial.
Quando comecei a analisar meus relacionamentos, percebi que entregava meu poder, minha autonomia, para o outro. Eu me via dependente do olhar, da validação do meu objeto de amor. Eu me entregava inteira sem medida, sem precaução, sem lucidez nenhuma, e sem pedir nada em troca, afinal: amor era sacrifício, era encolher-se, era acomodar o outro, tentar agradar e falhar! Falhar sempre. Assim me ensinaram em casa.
Nunca podemos deixar de ver o que está visto; por mais dolorosa que seja a constatação, está visto e já não pode ser ignorado. Só existe seguir em frente. Aí vem o pulo do gato: ver tudo e sem vergonha nenhuma, ser. Se sou vulnerável, se eu te mostro quem sou, tenho boas chances de que você me retorne o favor, pois nós humanos, inconscientemente, gostamos de nos espelhar. Aí a vulnerabilidade vira força! Inclusive, acho que vivemos um momento bonito, em que mais e mais pessoas estão dispostas a botar as máscaras de lado e mostrar suas verdadeiras faces. Quem sabe não vem aí uma epidemia de autenticidade?
O processo de desaprender
Desaprender e desprogramar são uma constante no processo de autoconhecimento. Quanto mais capacidade temos de rever o que temos como “regra”, como “conhecido”, mais podemos nos atualizar internamente e, por consequência, externamente. Ser a mudança que você deseja literalmente. Primeiro você se investiga, explora o que está debaixo da superfície, uma verdadeira arqueologia pessoal mesmo. Depois da coleta de dados, vai encontrando as relações entre pensamentos, sentimentos, sensações, ações e como tudo isso se manifesta na sua realidade. Onde você encontra algo indesejado, aprofunda a investigação.
Aqui entra o desaprender e desprogramar: se encontra uma crença de fundo que limita, trabalha aí, remove, substitui, implanta uma nova sensação que permita o resultado desejado. Reescreve o trajeto interno. Se nos percebemos repetindo padrões emocionais, buscar o ponto de origem e ir desembaraçando o novelo emocional devagarinho, com carinho e paciência. “Paciência, amigos. Paciência.”
Escrever como travessia
A escrita foi o meu refúgio desde a infância. Escrever me dá um norte. Desenvolvo isso no meu trabalho de escrita terapêutica no Escrita Íntima. Escrever, inconscientemente, foi a forma que encontrei para guardar partes minhas intactas. Protegi a minha escrita do controle dos meus pais. Escrevi escondida por décadas antes de sequer dizer em voz alta para quem quer que fosse “Olha, eu escrevo essas coisas aqui.” Hoje percebo que a minha escrita foi uma estratégia de sobrevivência psíquica que se tornou um projeto de existência. Hoje sinto-me feliz em guiar outros nessa travessia.
É importante pontuar que viver a experiência e entender a experiência são mutuamente excludentes no quesito temporal, ou seja, ou você bem vive ou você bem entende. Melhor dito, não se pode experimentar e entender simultaneamente. Primeiro um, depois o outro. Ouso dizer que quem fica tentando racionalizar no momento de experimentar, acaba não vivendo! É um mecanismo de autossabotagem brilhante, inclusive!
Sou uma pessoa muito sensível, em contato constante com o invisível, com o intuído, a linha entre ficção e realidade na minha experiência humana é pontilhada e bem transparente! Talvez todos sejamos assim… mas vivemos num contexto que não valoriza a sutileza e a introspecção. Vivemos mergulhados em um sistema que mastiga humanos, que se alimenta da falta que detecta e faz de tudo para amplificá-la em nome de lucro. Amar-se impede que nos deixemos mastigar, impede que acreditemos em todos os “tem que”, “você precisa de”, “todos estão fazendo assim, venha também.” Quem se ama tem limites claros de até onde está disposto a ir, tem clareza do que fere a sua integridade pessoal. Assim o que quer engolir a gente, o que pretende mecanizar-nos, desumanizar-nos, perde força.
Priorizar-se é sobrevivência
Na capa do meu livro vemos a Luciana atriz fotografada. Ela, a Luciana de 20 anos, tinha pernas mais torneadas, mas a de 44 é muitíssimo mais interessante! O símbolo é claro, o tempo passa. O tempo passa e eu ainda busco. Ainda há caminhos para percorrer. A busca muda. A Luciana de hoje se ama, se cuida, se protege, se expressa e se permite ser ela mesma. Hoje, me encolher para me encaixar na expectativa alheia não é opção. Me escolhi e sou minha prioridade absoluta, até segunda ordem. No meu posfácio mandei uma mensagem para aquela Luciana e para todos que ainda não iniciaram suas viagens: “Vai melhorar, demora, mas melhora!”
Primeiro a sua máscara de oxigênio. Se você morre, acabou a brincadeira, certo? PRIORIZE-SE. Priorize suas saúdes (física, mental, emocional), seu bem estar, seu descanso. É urgente mudarmos essa programação coletiva de autossacrifício. Cuidar primeiro de si é inteligência, autocuidado, não egoísmo. Como nutrir, se você mesma está morta de fome? Como dar de si, produzir, trabalhar, criar, maternar, se você está na exaustão, cheio de falta?
Sentir-se perdido é boa notícia! Se está perdido, pode recalcular a rota. Pare. Respire. Encontre um lugar seguro e vai retrocedendo seus passos para entender onde mudar de direção. TERAPIA AJUDA. Escrever também! Se a terapia está distante da sua realidade, pega um caderninho e começa um diário. Qualquer diário: diário de sonhos diurnos e noturnos, diário de pensamentos avulsos, diário de gratidão. Escrever está distante? Grave áudios de si mesmo. Amo passar esse exercício quando alguém está em loop com pensamentos obsessivos. Grave-se no auge da loucura, solte tudo. Ouça quando estiver regulado emocionalmente. Você vai se surpreender consigo mesmo! Já dizia Hemingway: “Escreva bêbado, edite sóbrio.”
E, ame-se, sombras e luzes. Amar é mesmo revolucionário.
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