por Taciana Oliveira |
Obra celebra 20 anos de trajetória da poeta e homenageia os 130 anos de amizade entre Brasil e Japão
A poeta brasileira Paula Valéria Andrade apresenta ao público seu mais novo livro, AWARE, da sensibilidade às coisas efêmeras, que fecha a Trilogia POP Poesia, iniciada em 2017. O lançamento marca não apenas a consolidação de uma pesquisa estética e poética desenvolvida pela autora ao longo de oito anos em parceria com o artista gráfico Guto Lacaz, mas também celebra os 20 anos de sua trajetória literária, iniciada com Íris Digital (2005).
AWARE homenageia ainda os 130 anos de amizade entre Brasil e Japão, estabelecendo pontes entre culturas através da poesia. Antes dele, a autora publicou Amores Líquidos & Cenas (2017) e O Novo no Ovo (2021), também frutos da parceria com Lacaz.
A estética do efêmero
Inspirado no conceito japonês Mono-no-Aware (物の哀れ) — que traduz a sensibilidade diante da transitoriedade da vida —, o livro reflete sobre a beleza que nasce justamente da impermanência. Nas páginas, o instante é capturado como eterno, mesmo sabendo-se breve: flores que desabrocham e se desfazem, amores que surgem e se perdem, ciclos que terminam para recomeçar.
A poesia de Paula entrelaça experiências vividas em São Paulo, Fukushima e San Francisco, criando uma tessitura de imagens, palavras e silêncios. O jogo entre o dito e o não dito, a sonoridade e o espaço entre as palavras, aproxima sua escrita da tradição estética japonesa, ao mesmo tempo em que incorpora a pulsação urbana das metrópoles. Segundo o pesquisador Jorge Luiz Antonio, que assina a quarta capa da obra, Paula utiliza a parataxe, recurso que justapõe palavras e frases sem uma sequência lógica rígida, aproximando-a da tradição da poesia concreta brasileira. Esse procedimento amplia as possibilidades de leitura e gera múltiplos sentidos, que encantam pela força da síntese e da sugestão.
Além da palavra escrita, AWARE é uma experiência verbivocovisual, reunindo fotografias, pinturas e colaborações artísticas diversas. A edição conta com imagens de Ana Paula Prado Teeple, registros da própria autora no bairro da Liberdade, em São Paulo, e pinturas da artista plástica Tieko Iri. O tratamento fotográfico é de Patrícia Scavone, enquanto a arte final leva a assinatura de Edson Kumasaka. O prefácio, a versão em japonês e fotografias de Fukushima foram realizados por Patrick Ward. Projeto gráfico de Guto Lacaz.
Ao propor um diálogo entre Brasil, Japão e Estados Unidos, o livro reafirma a poesia como ponte cultural e afetiva. Tal como as flores de cerejeira que inspiram os versos, a obra convida o leitor a refletir sobre os contrastes entre permanência e transitoriedade, ausência e presença, delicadeza e brutalidade do cotidiano.
Abaixo segue uma entrevista com a autora:
1. Seu novo livro, AWARE, encerra a Trilogia POP Poesia. Como foi esse processo de oito anos até chegar a esta terceira obra e que marca pessoal ela deixa na sua trajetória literária?
Todo livro publicado deixa uma marca pessoal na trajetória de quem o escreve. E este livro, AWARE, é muito especial por fechar um ciclo de oito anos e uma trilogia que reúne poemas visuais, épicos, líricos e híbridos. A parceria com o Guto Lacaz foi orgânica, construída aos poucos, com o tempo. O primeiro livro veio em 2017 — Amores Líquidos e Cenas — publicado pela Editora Laranja Original, reunindo grafite, arte, poesia e visualidades. Trata dos amores líquidos e suas efemeridades. Ele também traz alguns poemas em versões inglês e espanhol, além do português. O segundo, em 2020 — O Novo no Ovo — veio com o prêmio ProAC de poesia. Ele reflete as origens embrionárias da vida, as fertilidades do universo criativo, a vida, a poesia que é risco, e os ciclos do pensamento ocidental. Traz audiolivro e 12 videoartes em pílulas poéticas. E, a partir daí, tive a certeza de que fazer uma trilogia POP com ele seria importante e essencial para fechar este ciclo poético. AWARE traz poemas de várias fases e novas criações e percepções do momento atual. O meu processo pessoal foi muito em função das escrevivências de percurso, jornada íntima e intransferível, das paisagens cênicas, sonoras e subjetivas, tanto das viagens como dos sentimentos e memórias. A efemeridade da passagem do tempo, das relações humanas, e de que nada permanece para sempre. Embora tudo fique gravado na memória, e a beleza disso pode ser eterna.
2. A inspiração no conceito japonês Mono-no-Aware é central na obra. De que forma essa sensibilidade para o efêmero dialoga com a sua experiência pessoal e com a poesia brasileira?
A Poesia Concreta é muito importante na poesia brasileira, e me influenciou bastante. A ideia central veio da pesquisa sobre Haroldo de Campos, sua relação com o Japão e o haikai. A partir daí, em prosa dialógica por quatro anos, de e-mails trocados com o Patrick Ward, professor de japonês em Fukushima, desvendamos as versões em inglês e japonês, e aprendi no processo. Ele é meu amigo há 30 anos e me fez perceber muitas verossimilhanças do conceito — Mono-no-Aware —, tanto em minha poética, como na vida pessoal, por meio das experiências de imigrante na Europa e nos Estados Unidos, além das perdas afetivas, lutos e travessias. Percebi que ele — conceito — estava presente o tempo todo no percurso das vivências. E a impermanência, por mais trágica ou bela que seja, tem sua marca no tempo. Não controlamos o deus Cronos. E o fluxo é a nossa única permanência, no mar de impermanências.
3. Você menciona que a obra explora conexões entre Brasil, Japão e Estados Unidos. Como foi articular essas três geografias culturais e afetivas em uma mesma narrativa poética?
A partir das memórias afetivas, aromas e imagens, fiz o registro poético das escrevivências que rabisquei para contar em poemas. O livro está sendo lançado em 2025, o ano de celebração de 130 anos de amizade entre Brasil e Japão. Ao residir em San Francisco, conheci Japan Town, e isso me marcou profundamente. Assim como foi no dia que conheci o bairro da Liberdade em São Paulo. As intercessões entre as diferentes culturas são a somatória do meu olhar amoroso sobre as pulsões e vivências destes cenários, paisagens sonoras e repletas de aromas e cenas, que permeiam a linguagem poética do que busco registrar e expressar em AWARE. As geografias culturais são alinhavadas na subjetividade do sentir e da percepção inscrita nos poemas. As experiências foram fases da minha vida pessoal, em residir na Califórnia, São Paulo e viajar por diferentes lugares, onde o contraste cultural é imenso. E, ao mesmo tempo, somos todos humanos, com pulsões semelhantes.
4. Seu trabalho tem sido descrito como marcado pela parataxe, herança da poesia concreta. Como essa escolha estética contribui para criar múltiplas camadas de leitura em AWARE?
A ruptura do formalismo me interessa. E, assim, a quebra da linguagem, do uso de artigos, adjetivos e excessos de explicação no vocabulário, a ruptura da ortografia e da gramática, como propõe a Poesia Concreta. São transgressões que a poesia permite. E faz reinventar universos e formas de contar. Adoro o jogo das palavras, que muito me inspira. Além disso, os 100 anos de Modernismo no Brasil já anunciavam que o Parnasianismo não atendia mais o formato de uma comunicação direta e sem rodeios. As múltiplas camadas são intencionalmente expostas conforme a percepção de leituras, que podem ser múltiplas, conforme o olhar de cada leitor ou leitora. A poesia está na sonoridade, na visualidade, no grafismo, no registro épico e no intimista pessoal — o lirismo — de quem escreve. Gosto da multiplicidade de formas, do haikai sem métricas, que ali vira outra coisa. E o mais importante para mim é autenticidade do registro, da palavra e da emoção ali exposta como quem deságua.
5. Além da literatura, o livro reúne fotografia, pintura e design gráfico em colaboração com diversos artistas. Como enxerga a importância desse caráter coletivo e verbivocovisual na sua poesia?
A coletividade e o processo colaborativo são essenciais para mim. Desde criança, curtia trabalhos de grupo e fui criada assim, no Colégio Jacobina, no Rio de Janeiro. O Guto Lacaz é mais do que um parceiro de projeto gráfico, ele é um mestre do design brasileiro, da visualidade, um gigante e um amigo muito querido e generoso há mais de 18 anos. As pessoas convidadas são todas ligadas à arte e à minha vida. Formam um círculo afetuoso de amizades e fazeres alinhados ao meu pensamento poético e gosto pessoal. São talentos incríveis que admiro muito, somados ao pulsar que acredito, ser um somatório de percepções afins. O verbivocovisual vem das criações híbridas, neste livro AWARE com imagens e poesia visual, assim como nos outros dois da Trilogia POP Poesia, em formatos além do impresso, de audiolivro e videoarte, em especial no “O Novo No Ovo”, um projeto poético transmídia. AWARE, o terceiro livro, encerra a trilogia. Traz a participação especial do Yuzo, com o instrumento raro Shimasen, para compor a base dos poemas falados. E, assim, traz o audiolivro. A intercessão entre as artes é essencial na minha poética, e trago isso do audiovisual, por trabalhar anos como diretora de arte, figurinista e cenógrafa no cinema brasileiro. E o lado sonoro vem junto, por trabalhar dois anos na rádio, em San Francisco, CA, o que aprimorou minha percepção das intercessões. Tudo faz parte de um somatório de experiências e fazeres ao longo da minha vida e trajetória. Amo a poesia. Ela pode ter vários desdobramentos. E isso me encanta.
Serviço:
Livro: Trilogia POP Poesia — AWARE, da sensibilidade às coisas efêmeras
Autora: Paula Valéria Andrade
Ano: 2025
Páginas: 144
Formato: 21x25 | Fotos coloridas
Lançamento: poesia brasileira trilíngue: português/inglês/japonês
Edição: 1ª | SPVI Books
Valor: R$ 65
Evento de lançamento:
Data: 9 de outubro – quinta-feira
Horário: 17h às 20h30
Local: BaFu — Barra Funda Autoral — galeria de arte | espaço multiuso
Endereço: Rua Barão de Tatuí, 240 — Vila Buarque
O livro estará à venda no espaço on-line da Livraria da Travessa (Ipanema, Pinheiros e Leblon) e da Livraria Drummond (Av. Paulista — Conjunto Nacional), além das lojas físicas Livraria Ria (Vila Madalena) e BaFu-Espaço de arte (Santa Cecília). O lançamento contará com as presenças de Guto Lacaz, Ana Paulo Prado Teeple e as leituras poéticas dos artistas: Gustavo Machado (ator e poeta), Laize Câmara (atriz e videomaker), Davi Kinski (poeta e cineasta), Tielo Iri (escritora e artista plástica), Fernando Alves Pinto (ator) e Paula Valéria Andrade (poeta). O músico Yuzo Akahori fará uma apresentação musical com o raro instrumento japonês Shamisen, acompanhando as leituras.
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