por Taciana Oliveira |
Clube de Leitura Capitolinas celebra um ano com evento gratuito e lançamento de antologia
O coletivo literário Clube de Leitura Capitolinas completa um ano de existência e comemora a data com um evento especial no próximo 24 de outubro, a partir das 18h, na Casa do Lago — Unicamp (Campinas–SP). A celebração reúne arte, literatura, música e debate, e marca também o lançamento da antologia “Delas para Elas”, publicada pela Vinca Literária. A entrada é gratuita.
Criado pela médica, escritora e ativista Mila Nascimento, o Capitolinas nasceu com o propósito de fortalecer mulheres por meio da leitura e da escrita. O coletivo, cujo nome faz referência à personagem Capitu de Machado de Assis e à palavra latina caput (cabeça), reúne atualmente mais de 60 mulheres do Brasil e do exterior. Com o lema “Ninguém pode parar uma mulher que lê”, promove encontros, saraus e intervenções poéticas em territórios de vulnerabilidade social.
Programação
O evento começa com um café de boas-vindas e uma feira cultural ao ar livre composta por expositores de livros, artesanato e joias autorais. A parte artística inclui a apresentação de Fernanda Amaro Elias com clássicos da MPB ao piano e um espetáculo de flamenco conduzido pelo projeto Mulheres que Bailam (iniciativa social da escola Café Tablao, sob direção de Karina Maganha) com a participação das dançarinas Daniela Camargo de Oliveira e Amanda Camargo.
Na sequência, acontece a mesa-redonda “O poder dos Clubes de Leitura de criar rebeliões”, com a participação de Gabi Guinatti (escritora, dramaturga e agente territorial de cultura do município de Campinas), Camila Cardoso (@alivrista), Jaqueline Meneghini (professora de literatura há mais de 25 anos), Janine Duran (co-autora do livro “Clubes de Leitura: uma aposta nas pequenas revoluções” além de idealizadora do projeto Remissão em Rede) e a própria fundadora, Mila Nascimento. O debate abordará como clubes de leitura podem se tornar espaços de resistência e transformação social.
Lançamento da antologia “Delas para Elas”
A obra é resultado do Encontro de Criação Literária realizado em maio deste ano e reúne cartas escritas por integrantes do coletivo para suas mães. Segundo Mila, a antologia reafirma “a literatura como espaço de afeto, resistência e transformação”. O lançamento será celebrado com bolo, espumante e um brinde coletivo.
Sobre o Capitolinas
O Capitolinas promove encontros presenciais e online mensais e está com inscrições abertas para novas participantes. Já recebeu autores premiados como Bethania Pires, Liana Ferraz, Francisco Azevedo e, em novembro, receberá Eliane Marques, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura em 2023.
Abaixo segue uma entrevista com Mila Nascimento, criadora do Capitolinas:
1. O Capitolinas nasceu em Campinas e hoje reúne dezenas de mulheres em torno da leitura e da escuta feminista. Como nasceu a ideia de criar o clube e o que mais te surpreendeu nessa trajetória coletiva?
Então… o Capitolinas veio da necessidade de cumprir uma promessa que fiz a mim mesma. Quando eu me divorciei em 2017, após sobreviver a um episódio muito grave de violência doméstica, eu prometi que faria o máximo possível para evitar que mulheres passassem pelo que passei. Queria reunir mulheres para conversar, alertar, explicar sobre micro violências e então pensei que assim como a literatura me salvou, poderia também ser um caminho para isso.
2. O grupo se define como um espaço de letramento anti-machista. De que maneira esse conceito se traduz na prática dos encontros e nas escolhas das obras lidas?
A curadoria inicial foi baseada nos livros que li durante meu processo de recuperação após ter tido minha coluna quebrada pelo meu ex marido. Eu sempre gostei muito de estudar e comecei a ler um monte sobre o tema, até mesmo para minimamente digerir toda a tragédia que havia acontecido comigo. Ler me fortaleceu demais e senti o desejo de partilhar aqueles livros e aquelas histórias com mulheres, dando exemplos, trazendo dados e oferecendo recursos de proteção.
3. Quais têm sido os principais desafios e aprendizados ao mediar debates literários entre mulheres de idades e vivências tão diversas?
Venho de uma família onde a roda de conversa é muito presente. Cresci na casa dos meus avós e aprendi a ouvi-los. Por outro lado, sendo mãe, valorizo a fala dos meus filhos, pois penso que aprendo muito com eles. Então esse encontro intergeracional é algo que já faz parte da minha vida. No clube, eu tento valorizar sempre a alteridade.
4. A presença do Capitolinas em eventos como a Flipoços destaca a força dos clubes de leitura como movimentos culturais. De forma você vê o papel desses clubes na formação de leitores críticos e na transformação social?
Os clubes de leitura são potentes focos de revolução. Ler em um pais de diminuição crescente do número de leitores é quase uma queda da Bastilha. Ser ouvido em roda, dar opinião e não ser cancelado é um potente mecanismo de fortalecimento pessoal e transformação social.
Todo mundo sai de um encontro de clube de leitura mudado. Isso é incrível, orgânico e humano demais.
5. Além de um clube, o Capitolinas é também um espaço de acolhimento. Há algum momento ou encontro que te marcou profundamente e que simboliza o poder dessa coletividade?
Foram muitos os momentos marcantes. Mas teve dois em especial, relacionados a quebras de silenciamento na vida de duas CAPITOLINAS que por meio do clube conseguiram romper relacionamentos abusivos. Isso pra mim não tem preço.
6. A tua escrita é atravessada por temas como o amor-próprio, a reconstrução e o feminismo. Até que ponto a experiência pessoal e profissional como médica influencia a tua poética e o olhar para o corpo feminino?
Entendi que antes da médica existe uma MULHER e que é essa mulher que performa uma médica mais humana ou uma escritora mais cirúrgica. As coisas se juntam na totalidade da mulher que sou. Talvez minha sensibilidade faça de mim uma médica melhor. Brinco que nasci escritora e me tornei médica.
7. Você já mencionou que “Camila é a doutora e Mila é a escrevedora”. Como essas duas faces da tua vida — a médica e a poeta — se complementam e se tensionam no teu processo criativo?
Então… quando comecei a escrever eu dizia isso, mas confesso que hoje, não separo mais. Percebi que não preciso ter medo de permitir que a arte tome conta da minha vida e que de forma alguma meu “lado B” precisa ser separado. Infelizmente o “lado A” ainda paga as contas nesse país onde as artes são pouco valorizadas e artistas ainda precisam performar em empregos diversos para se sustentar; mas hoje penso que sou a Camila que cuida, escreve, aprende, ensina, junta pessoas e defende mulheres.
Nascida em São Paulo e residente em Campinas, Mila Nascimento (Camila do Nascimento Leite) é médica endocrinologista, sexóloga e emergencista, além de escritora premiada. Vencedora do FEMUP 2022 (Festival de Música, Conto e Poesia de Paranavaí–PR), publicou obras como “Poemas Paridos de Cócoras — porque assim dói menos” (Ed. M.inimalismos, 2023), “Poemas para antes do banho, durante o café e depois do abandono” (Ed. Patuá, 2023) e “Poemas de Amor e Outras Taquicardias” (Ed. M.inimalismos, 2025). Sobrevivente de violência doméstica, fez da escrita um território de resistência, criando os clubes literários Capitolinas e Não Bentos, espaços que unem literatura e militância feminista/anti-machista.
Serviço
Evento de 1 ano do Clube Capitolinas Lançamento da Antologia Literária “Delas para Elas”
Entrada Gratuita
Casa do Lago — Unicamp (Av. Érico Veríssimo, 1011 — Cidade Universitária, Campinas/SP)
24 de outubro de 2025
A partir das 18h
Instagram: @clubecapitolinas
Programação Completa:Café de boas-vindas
Feira cultural com expositores (livros, artesanato, joias)
Apresentação musical — voz e piano, com Fernanda Amaro Elias
Apresentação de Flamenco, com Daniela Camargo de Oliveira, Amanda Camargo e integrantes do projeto Mulheres que bailam, do Café Tablao
Mesa-redonda: “O poder dos clubes de leitura de criar rebeliões” (Mila Nascimento, Gabi Guinatti, Janine Duran, Camila Cardoso e Jaqueline Meneghini)
Parabéns com bolo e espumante
Lançamento da primeira antologia do clube, Delas para Elas pela editora Vinca Literária.
Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.
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