por Taciana Oliveira |
Moacir Fio tece sua teia literária em Aranha Movediça
Aranha Movediça (Editora Moinhos,2025) é uma obra que entrelaça memória, contracultura e terror social com precisão narrativa. Ao articular diferentes tempos e vozes entre passado e presente, punk e sertão, marginalidade e mito, Moacir Fio nos entrega um romance híbrido, com a estrutura de uma teia: múltiplos fios narrativos se cruzam, sustentados por uma tensão latente e um ritmo narrativo que prende o leitor desde a primeira página.
A narrativa se move entre a Fortaleza punk dos anos 1980, com seus personagens reais e míticos como Jota do Lixo e Maca, e tempos mais distantes, como o sertão colonial de Cococi. Essa transição entre temporalidades não é linear, mas sensorial: os capítulos funcionam como investigações jornalísticas, confissões íntimas e fabulações. O real e o imaginário convivem lado a lado, produzindo uma ambiência ao mesmo tempo, política, sombria e profundamente humana.
A linguagem de Moacir Fio tem força plástica. As cenas punk são eletrizantes, carregadas de oralidade e brutalidade, enquanto as passagens sertanejas evocam uma mitologia ancestral e perturbadora. A teia narrativa revela corpos que resistem, memórias que não se apagam e espectros que rondam humanos e animais. A figura da “aranha” funciona como um símbolo ambíguo de resistência e de captura, de teia e de armadilha. Trata-se, de um romance que desenterra vozes silenciadas pela história oficial (punks marginalizados, mulheres interditadas e memórias subterrâneas). Aranha Movediça não é uma narrativa “sobre” monstros, é uma narrativa que expõe as monstruosidades reais que estruturam nossas violências coletivas. O resultado é um livro de fôlego, ousado, que mistura reportagem, literatura fantástica e política com força poética.
Abaixo uma entrevista com o autor:
1. O romance articula cenas punk urbanas com passagens sertanejas míticas. Como surgiu a ideia de costurar essas duas temporalidades tão distintas numa mesma narrativa?
O ciclo da violência é um dos principais temas de minha ficção. Embora comportamentos, roupas e costumes sejam diferentes, as vítimas de hoje e as de ontem são semelhantes, sejam eles indígenas, camponeses ou punks. A ideia de costurar universos aparentemente tão distintos vem daí, dessa percepção de uma opressão sistematizada que atravessa o tempo e as distâncias. Esse é o maior horror do livro.
2. O livro lida com figuras marginalizadas. Que tipo de pesquisa ou vivência guiou a construção desses personagens?
Naturalmente, minha vivência como jovem de periferia está presente no livro, mas a maior parte do trabalho de um ficcionista envolve compreender experiências alheias. Fiz uma pesquisa considerável em arquivos públicos e jornais para a parte mais historiografada dessas opressões, mas também conversei com muita gente ao longo de anos para compor essas personagens, que são fruto de diversas influências.
3.A “aranha” aparece como símbolo central. Qual o significado desse elemento na sua concepção da obra?
Aranhas são criaturas fascinantes porque, como as serpentes, têm uma carga simbólica muito rica: podem ser assustadoras, divinas, diabólicas, eróticas, etc. Por isso, prefiro deixar o significado da aranha do título para o leitor.
4. A narrativa tem uma forte dimensão sonora (música punk, ruídos, silêncios). Como você trabalhou a linguagem para incorporar essa textura auditiva ao texto?
Essa foi a parte mais difícil. Os capítulos dedicados ao podcast precisavam funcionar tanto como transcrição de áudio quanto como literatura. É um equilíbrio complexo, talvez impossível, e por isso tive que escrever falando em voz alta, testando o ritmo, como se costuma fazer na poesia. Foi demorado e custoso, então espero que tenha ficado bom.
5. Aranha Movediça desafia fronteiras entre reportagem, ficção e mito. Como você enxerga essa relação entre literatura e verdade histórica?
A verdade da literatura só é encontrada em uma dimensão afetiva, naquilo que mexe com a pessoa que lê. Por outro lado, vivemos uma época de pós-verdade que joga com nossas percepções e nos deixa desconfiados. Não à toa, livros e filmes estão cada vez mais didáticos, diretos, há pouco espaço para ambiguidade e incerteza. Temos obras jornalísticas que são puro entretenimento e cobramos do entretenimento um rigor jornalístico. Quis que Aranha Movediça confundisse essas fronteiras também como provocação, para demonstrar que não há verdade possível nos discursos, mas que devemos sempre buscá-la. Particularmente, acho isso muito punk.
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Serviço – LançamentoO quê: Lançamento do romance Aranha Movediça, de Moacir Fio
Quando: 24 de outubro de 2025, às 19h
Onde: Pitéu Casa Criativa – Fortaleza (CE)
Autor presente para sessão de autógrafos
Moacir Fio é escritor, músico e professor. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC), criou a Revista Escambanáutica e a PULPA Newsletter, iniciativas independentes que movimentam a cena literária cearense através do Coletivo Escambau.
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