Impunidade | Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos |

Foto de Jr Korpa na Unsplash

Álvaro foi quem tirou a minha virgindade. À força. Ele era meu namorado, mas forçou o ato; em outras palavras, me estuprou. Naquela época, ninguém se importava com isso, com o fato da violação. Falei, morrendo de medo, à minha mãe, que virou as costas para mim, me chamou de “depravada”. Ela notou a minha mudança de hábito, de só ficar trancada dentro do quarto, e veio me questionar a atitude; que eu não era nem capaz de cumprimentar as visitas etc. e tal. Tentei me matar, com navalhas que cortaram o meu braço — não consegui, não tive forças para consumar o ato —, mas só deixaram cicatrizes, para não me esquecer do horror. Lembro-me muito bem do dia. Eu estava bêbada, como todas as minhas amigas que estavam lá. Era moda beber com os amigos em algum posto de gasolina que tivesse uma loja de conveniência. A facilidade para comprar bebida era e é incompreensível; não se pedia uma identidade. Crianças tornavam-se alvo fácil para malfeitores. Soube de uma menina que foi raptada por dois dias, e que foram encontrá-la num lugar ermo, perto da Praia do Icaraí. Além de abusada, foi torturada. Os “amigos”, ainda na escola, marcavam de se encontrar para beber e paquerar. Eu já tinha cerca de dezesseis anos e namorava. O dito cujo apareceu, me ofereceu mais bebida, e, debochando com os seus amigos, me levou embora para a sua casa. Seus pais estavam viajando, ambiente propício para a predação. Cheguei, e a primeira coisa que fiz foi vomitar na sala. Ele riu, disse que era bobagem, que depois limpava. Queria, à fina força, me levar o mais rápido possível para o abatedouro. Já estava esgotada e tudo que eu queria era dormir. Foi aí que ele se aproveitou e abusou de mim, desfalecida, completamente sem reação. Não dormi na sua casa, porque, decerto, os seus pais iriam chegar. Simplesmente, ele me largou na casa de uma amiga em comum, pedindo para cuidar de mim; como se não tivesse ocorrido nada demais… Agora, anos depois, encontrei-me no shopping com ele. Cara a cara. Rememorei a minha vida desgraçada, em um segundo. Tive muito medo de homens, não confiava em ninguém. Não namorei por cerca de vinte anos. Rejeitei afeto e cuidado. Na minha cabeça, as pessoas queriam sempre abusar de mim. Emprego? Não tive por dez anos. Desconfiava das amizades, que poderiam me passar a perna. Estar em convívio social era um martírio. Tornei-me misantropa, antissocial e fóbica. Foram anos e anos de terapia para ter uma vida minimamente normal… Ele passou por mim alegre e sorridente, de braços dados com um filho e uma filha, e a suposta mulher atrás. Isso me arrasou; vê-lo assim, serelepe, não tendo sofrido nenhuma reprimenda da vida. Se tivesse o apoio do meu pai e da minha mãe, tudo seria diferente, ele teria pagado pelo crime, e isso amenizaria a minha dor.



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.