O Encantamento do Olhar Infantil: A Poética de Ana Lúcia Franco na obra poética

 por Cibele Laurentino | 





Escrever, para mim, é mais que um gesto: é uma forma de respirar.

Hoje abro este espaço para conversar sobre poesia, essa linguagem que atravessa o tempo, veste-se de metáforas e se reinventa a cada olhar. A poesia, em sua delicadeza e intensidade, não apenas traduz sentimentos, mas cria mundos, amplia horizontes e nos lembra da beleza escondida nos detalhes. Aqui, compartilho leituras, reflexões e descobertas que nascem desse diálogo entre palavra e vida. Quero que cada coluna seja um convite: a desacelerar, a sentir, a reconhecer no texto aquilo que muitas vezes escapa no cotidiano.

Porque a poesia não se limita às páginas de um livro, ela está nos gestos simples, no silêncio, nas memórias e nos encontros. É esse universo que pretendo abrir, linha a linha, junto a você, leitor da Mirada.

Vamos conhecer uma nova autora contemporânea?



O Encantamento do Olhar Infantil: A Poética de Ana Lúcia Franco na obra poética — Versinho Lilás 

Na obra de estreia de Ana Lúcia Franco, a poesia assume o papel de fio condutor de uma narrativa que se organiza em capítulos temáticos como verdadeiras constelações. Cada poema, breve e sensorial, compõe um mosaico que valoriza o instante, a memória e a infância como estados de plenitude e descoberta.

A autora opta por versos livres e curtos, muitas vezes sem pontuação, deixando que o ritmo natural da fala e do pensamento infantil conduza a leitura. O resultado é uma cadência que evoca cantigas de roda e brincadeiras de infância, ao mesmo tempo, em que preserva a densidade filosófica presente nas perguntas mais simples das crianças: “Por que o céu é azul/por que a grama é verde/por que tem dia e noite/por que por que por que”.

A progressão da obra revela um movimento do íntimo ao coletivo: nos primeiros capítulos, a menina encantada descobre sensações e cria universos a partir de estímulos cotidianos; mais adiante, a narrativa se abre para os jardins, pássaros e insetos, transformando o detalhe quase invisível em experiência de encantamento; e, nos capítulos finais, o texto acolhe personagens diversos que refletem diferentes modos de existir no mundo. 

Entre os temas centrais, destacam-se a imaginação criadora, que converte o comum em extraordinário; a relação com a natureza, participante ativa das descobertas; e a tensão entre infância e amadurecimento, simbolizada em poemas como “Estômago de Avestruz”, onde um anjo aconselha Brubru: “guarde essa/Menina, Brubru, para sempre/Dentro de si/Mas não esqueça de crescer”. A memória afetiva, o vínculo entre gerações e a busca pela autenticidade completam a tapeçaria temática.

A linguagem é marcada pela delicadeza imagética e pela precisão verbal. Metáforas e personificações conferem vitalidade à natureza, enquanto o uso de diminutivos e jogos sonoros aproxima o texto da oralidade. Os poemas se desenham na página em escadas e recuos, convidando o leitor a respirar cada silêncio.

Os personagens funcionam como espelhos da experiência humana: a menina encantada, Aninha, Brubru, Fred o grilo verde, Zequinha, Maria e as “figurinhas” finais revelam modos de ser e conviver. Em comum, carregam o convite à empatia e ao reconhecimento da diversidade.

O livro, enfim, propõe um retorno ao olhar da infância — não como fase cronológica, mas como postura existencial. Valorizar o miúdo, o detalhe e a pergunta sem resposta é um gesto de resistência diante da pressa e da superficialidade do presente. Ao encerrar com a indagação “Por que a gente cresce?”, a autora devolve ao leitor a tarefa de preservar o fascínio e o questionamento como formas de estar no mundo.




Ana Lúcia Franco
, formada em Direito e Filosofia e editora da Stella Editorial, compartilha nesta estreia poemas guardados ao longo da vida. Sua escrita reafirma que a poesia é, acima de tudo, um convite ao encantamento — à redescoberta da criança que fomos e que, de algum modo, ainda somos.


Poesia:


Menina encantada


Desenhou com giz uma janela

no tronco da árvore sagrada

(todas as árvores são sagradas)

do outro lado: caramujos, lírios

e uma escada que levava até o céu

e começava nas raízes

olhou para a escada

que se misturava às copas

os pés sujos de lama

o chão coalhado de folhas

a menina seguiu pela escada

até não se sabe onde.





Cibele Laurentino — Ativista cultural nascida em Campina Grande, Paraíba. Membro da Academia de Letras de Campina Grande e da UBE — PB. Bacharel em Letras, formada em Gestão em Turismo, divulgadora de autores contemporâneos. Idealizou o projeto Conversa com Escritores. Autora dos livros: "Cactus" (poesias); "Nobelina" (romance); "Todas em mim" (contos), traduzido e comercializado em espanhol pelo grupo editorial Caravana; “Eu, Inútil", romance premiado como melhor obra de ficção em Portugal no prêmio Ases da Literatura.